Estado Islâmico conquista Ramadi, Bagdad aposta tudo na reconquista pelos xiitas

Conquista da capital de Anbar é a maior vitória dos jihadistas desde o início dos ataques aéreos. Bagdad depende agora de milícias xiitas, que podem trazer o caos sectário à região, de maioria sunita.

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Combatentes pró-governamentais foram incapazes de travar o avanço dos islamistas do autoproclamado Estado Islâmico Reuters

“A cidade caiu”, disse no domingo Muhannad Haimour, o porta-voz do governador da província, citado pelo diário norte-americano New York Times. Só neste fim-de-semana morreram cerca de 500 civis e combatentes leais a Bagdad, afirmou este responsável iraquiano, muitos deles vítimas das execuções levadas a cabo pelos jihadistas.

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“A cidade caiu”, disse no domingo Muhannad Haimour, o porta-voz do governador da província, citado pelo diário norte-americano New York Times. Só neste fim-de-semana morreram cerca de 500 civis e combatentes leais a Bagdad, afirmou este responsável iraquiano, muitos deles vítimas das execuções levadas a cabo pelos jihadistas.

A tomada de Ramadi "é um revés", reconheceu o coronel Steven Warren, porta-voz do Pentágono. "Mas estou certo que retomaremos a cidade. Sempre dissemos que haveria avanços e recuos, haverá vitórias e fracassos. Este foi um fracasso."

A esperança imediata está no accionar das milícias xiitas, que o porta-voz do Pentágono reconheceu terem "um papel a desempenhar" na reconquista da cidade.

Na iminência da queda de Ramadi, o Governo iraquiano accionou no domingo o plano de último recurso para a cidade. O primeiro-ministro, Haider al-Abadi, convocou as milícias xiitas da coligação das Unidades de Mobilização Popular e ordenou que fosse montada uma contra-ofensiva aos combatentes do Estado Islâmico.

As milícias das Unidades de Mobilização Popular chegaram já nesta segunda-feira a Ramadi. Ao início da tarde, uma coluna de cerca de 3000 combatentes xiitas entrou nos arredores da cidade, pelo Sul, ocupou uma base militar e está agora preparada para lançar um ataque e retomar o controlo da cidade.

A reconquista de Tikrit ao Estado Islâmico, em Abril, não teria sido possível sem a intervenção destas milícias xiitas. Da mesma maneira, estas milícias são, até ao momento, a única esperança para a reconquista de Ramadi. De acordo com a Reuters, os jihadistas responderam nesta segunda-feira à chegada dos xiitas e organizaram uma linha de veículos armados nas imediações da base militar ocupada.  

Fragilidades do Governo

Os combatentes do grupo jihadista Estado Islâmico anunciaram ter morto “dezenas de apóstatas”, designando assim os elementos leais ao Governo iraquiano. De acordo com o relato do líder tribal Sheikh Rafi al-Fahdawi ao New York Times, há “corpos de homens, mulheres, crianças e combatentes espalhados pelo chão” de Ramadi.

A ofensiva dos jihadistas começou na quinta-feira. No dia seguinte, o Estado Islâmico controlava já o complexo governamental e o quartel-general da polícia da cidade. Tornou-se assim evidente que exército iraquiano e milícias locais seriam incapazes de travar o avanço dos jihadistas, mesmo com a intensificação dos ataques aéreos liderados pelos Estados Unidos. O Governo iraquiano enviou ainda reforços no sábado, 200 militares, mas estes não conseguiram impedir os avanços do Estado Islâmico. Domingo, ao final do dia, exército e polícia fugiram do seu último reduto, o distrito de Malaab.

Esta é a primeira grande vitória dos islamistas depois do início dos ataques aéreos e das derrotas em Tikrit, no início de Abril, e em Kobani, em Janeiro. Para além de um exemplo da força do autodesignado Estado Islâmico, que ao longo dos últimos meses começou a ser posta em causa, a conquista de Ramadi expõe também as fragilidades na estratégia do exército e Governo iraquiano no combate aos jihadistas.

Em pouco mais de um mês, Bagdad passou do ataque à defesa. Depois da reconquista de Tikrit, o Governo iraquiano anunciou uma ofensiva militar que pretendia expulsar os jihadistas da província de Anbar, um dos bastiões sunitas do país, e marcar o passo para a reconquista de Mossul, a segunda maior cidade iraquiana. A queda de Ramadi, a capital de Anbar, palco de confrontos há vários meses, é a maior e mais recente evidência de que esta ofensiva falhou.  

Receios

Anbar e Ramadi são de maioria sunita e um dos primeiros bastiões do Estado Islâmico, que aproveitou o descontentamento das tribos e população local contra o Governo de Bagdad. A chegada de milícias xiitas das Unidades de Mobilização Popular pode desestabilizar a região e dar lugar a confrontos sectários.

O mesmo aconteceu já em Tikrit, em Abril, de onde grande parte da população sunita da cidade fugiu para o interior do território controlado pelo Estado Islâmico, com receio de represálias perante o avanço das milícias xiitas.

Os EUA reforçaram os ataques aéreos sobre Ramadi no fim-de-semana para tentarem pôr um freio ao avanço dos jihadistas. Houve 19 ataques aéreos em Ramadi e arredores nos últimos três dias. Mais do que em qualquer outra zona desde o início da intervenção aérea.  

Mas os bombardeamentos não travaram o Estado Islâmico e os EUA aquiesceram à entrada de milícias xiitas na cidade. No entanto, como avança o New York Times, os representantes norte-americanos em Bagdad puseram a condição de as milícias estarem sob o controlo do Governo iraquiano e não do Irão.

Uma condição que parece ter sido, pelo menos, parcialmente ignorada por Bagdad, uma vez que, nas Unidades de Mobilização Popular, existem várias milícias aliadas ao Irão, de quem recebem financiamento e armas.