O risco de Fernando Martins e a revolução de Eriksson
A história do bicampeonato conquistado pelo Benfica em 1983 e 1984 e que começou com uma aposta de risco num sueco quase desconhecido.
Eriksson foi um revolucionário, como diz ao PÚBLICO Álvaro Magalhães, defesa-esquerdo dessa equipa bicampeã. Mas não foi só isso. “Era um jovem com ideias novas, mas teve a sorte de ter uma equipa de grande nível”, conta o antigo internacional português, um dos 18 bicampeões com Eriksson nesses dois anos - na segunda, Álvaro foi, inclusive, o jogador mais utilizado, cumprindo todos os minutos de todos os jogos em todas as competições, o único a fazê-lo. Eriksson fez poucas mudanças de um ano para o outro e manteve o núcleo duro da equipa.
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Eriksson foi um revolucionário, como diz ao PÚBLICO Álvaro Magalhães, defesa-esquerdo dessa equipa bicampeã. Mas não foi só isso. “Era um jovem com ideias novas, mas teve a sorte de ter uma equipa de grande nível”, conta o antigo internacional português, um dos 18 bicampeões com Eriksson nesses dois anos - na segunda, Álvaro foi, inclusive, o jogador mais utilizado, cumprindo todos os minutos de todos os jogos em todas as competições, o único a fazê-lo. Eriksson fez poucas mudanças de um ano para o outro e manteve o núcleo duro da equipa.
Voltemos à autobiografia de Eriksson. Quando chegou, o sueco achou que tinha jogadores a mais (45, segundo os seus próprios números) e tinha de dispensar uma parte substancial deles. “O clube estagnara. Eram precisas ideias novas, uma revolução.” O Benfica queria dar-lhe Fernando Caiado como adjunto, mas Eriksson preferiu ficar com Toni, “um pensador” que “vivia para o futebol” e que falava inglês. Com Eriksson, recorda Álvaro, acabaram-se os treinos na mata do Jamor: “Com outros treinadores estávamos habituados a ir para a mata. Treinávamos no campo, quase sempre com bola. ‘O Estádio Nacional é bom para fazer piqueniques’, era o que ele dizia.”
Eriksson fez a triagem, mas ficou com as grandes “estrelas”, Bento, Humberto Coelho, Chalana, Nené, Shéu, Carlos Manuel, Diamantino, entre outros, e acrescentou-lhe um seu compatriota, o médio Glen Stromberg. O Benfica abriu o campeonato de 1982-83 com 11 vitórias consecutivas e só perdeu pontos à 12.ª jornada, com um empate em Alcobaça. À 13.ª veio a única derrota, em Alvalade frente ao Sporting, mas foram raros os soluços. Um empate sem golos nas Antas à 24.ª ronda colocou o Benfica perto do título, que seria confirmado com um triunfo em Portimão à 28.ª jornada, depois de uma época intensa de luta com o FC Porto, que cumpria a sua primeira época sob a liderança de Jorge Nuno Pinto da Costa.
Carlos Manuel marcou o único golo desse jogo, poucos dias depois de ter perdido a final da Taça UEFA com um empate na Luz com o Anderlecht, no jogo da segunda mão. “Carlão” voltaria a ser decisivo ao marcar o único golo no triunfo benfiquista na final da Taça de Portugal, um jogo que se disputou no Estádio das Antas, em Agosto. Tirando a frustração europeia (que seria recorrente nas décadas seguintes), o ano de estreia de Eriksson esteve bem perto da perfeição. Palavra a Álvaro Magalhães: “A preparação psicológica logo no início da época foi fundamental. No balneário pensávamos todos: este ano é para ganhar.”
Para a segunda época do sueco foram poucas as alterações. A uma equipa vencedora, acrescentaram-se os golos do dinamarquês Michael Manniche, mas a base era a mesma. Mas houve um grande contratempo. Humberto Coelho, o grande líbero e capitão de equipa lesionou-se com gravidade num jogo da selecção e apenas fez dois jogos – os últimos da sua carreira. “É evidente que sentimos a falta dele. O Humberto Coelho era o capitão, o líder e um grande jogador. Mas entrou o Oliveira, que se adaptou facilmente e rendeu a um alto nível”, conta Álvaro.
O arranque foi igualmente dominador. Dezoito vitórias e dois empates nas primeiras 20 jornadas e o primeiro desaire só aconteceu à 21.ª ronda, por 3-1 nas Antas, com o FC Porto. Tal como na época anterior, os dois rivais andaram sempre muito próximos na classificação. Uma derrota por 4-1 em Guimarães atrasou as celebrações, mas a jornada seguinte, na Luz frente ao Sporting, podia espoletar a festa. Uma vitória sobre os “leões” bastava para o Benfica ser campeão sem pensar no que se iria passar no derby da Invicta entre FC Porto e Boavista.
Aquela tarde de 6 de Maio de 1984 foi digna de um thriller. No Bessa, Fernando Gomes, de penálti, coloca o FC Porto na frente aos 17’, exactamente o mesmo minuto em que Chalana, na Luz, faz o mesmo para o Benfica. Bento, o guardião que também era o marcador de penáltis, falha da marca dos 11 metros o 2-0. Na segunda parte, o Boavista consegue dar a volta por Jorge Silva aos 70’ e Almeidinha aos 81’, enquanto na Luz Kostov já tinha feito o empate para o Sporting, aos 66’.
A três minutos do fim, o Sporting tem a possibilidade de ganhar o jogo, com um penálti. Jordão foi o marcador designado e Bento, seu antigo colega de equipa, sabia como ele marcava os penáltis. “Com uma passada larga, punha o pé muito perto da bola […], ficava com a perna no ar, deixava cair o guarda-redes e encostava a bola à vontade”, contava o já falecido Bento no livro A Luz não se apaga. Jordão falhou dos 11 metros, o FC Porto não recuperou no Bessa e depois do apito final do árbitro Marques Pires é que o Benfica festejou o “bi”.