A comunicação social e a cobertura das eleições
Se a iniciativa desses partidos foi criticável, a reação da generalidade dos órgãos de comunicação social tem sido demasiadas vezes pouco rigorosa, demagógica e corporativa.
Tardia, porque a necessidade de mudar a legislação em vigor era conhecida de todo o Parlamento há muito tempo. Errada, porque o projeto retomava normas absurdas de 1975 – antes mesmo das primeiras eleições depois do 25 de abril… –, e incluía outras, como as que impunham a divulgação prévia de um plano de cobertura da campanha eleitoral, que ignoravam a imprevisibilidade dessas campanhas e a própria importância da singularidade com que cada órgão de comunicação procura surpreender a concorrência e obter maior recetividade dos públicos[1]. Ingénua, porque seria previsível que um projeto deste teor desencadeasse uma vasta ofensiva mediática em que, a par de críticas pertinentes, apareceriam observações extremamente demagógicas, sempre em nome de uma alegadamente irrestrita “liberdade editorial”.
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Tardia, porque a necessidade de mudar a legislação em vigor era conhecida de todo o Parlamento há muito tempo. Errada, porque o projeto retomava normas absurdas de 1975 – antes mesmo das primeiras eleições depois do 25 de abril… –, e incluía outras, como as que impunham a divulgação prévia de um plano de cobertura da campanha eleitoral, que ignoravam a imprevisibilidade dessas campanhas e a própria importância da singularidade com que cada órgão de comunicação procura surpreender a concorrência e obter maior recetividade dos públicos[1]. Ingénua, porque seria previsível que um projeto deste teor desencadeasse uma vasta ofensiva mediática em que, a par de críticas pertinentes, apareceriam observações extremamente demagógicas, sempre em nome de uma alegadamente irrestrita “liberdade editorial”.
Agiram bem, assim, os dirigentes partidários ao retirarem o projeto elaborado no quadro parlamentar, mantendo o propósito de rapidamente apresentarem uma alternativa viável.
Mas se a iniciativa desses partidos foi criticável, a reação da generalidade dos órgãos de comunicação social tem sido demasiadas vezes pouco rigorosa, demagógica e corporativa.
Em primeiro lugar, ao omitirem que a liberdade editorial e o princípio da igualdade de tratamento das candidaturas na cobertura jornalística de campanhas eleitorais, previsto no artigo 113º da Constituição, são “realidades de igual dignidade constitucional”, para citar inúmeros documentos emanados por órgãos tão diversos como o Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal de Justiça e outras instâncias judiciais, o Provedor de Justiça, a CNE e a ERC. A cobertura das campanhas eleitorais não pode apenas depender das opções editoriais, mesmo que ditadas por legítimos interesses comerciais dos órgãos de comunicação social. Não se trata apenas de proteger os direitos das forças políticas menos representativas e, por isso, mediaticamente menos interessantes, mas também de garantir o direito à informação dos cidadãos, designadamente dos titulares do direito de voto.
Em segundo lugar, ao omitirem que já consta das atuais leis que regem as atividades de rádio e de televisão a obrigação que impende sobre cada operador de assegurar uma informação “que respeite o pluralismo, o rigor e a isenção”, o que naturalmente limita a “liberdade editorial”.
Em terceiro lugar, ao desvalorizarem o facto de a liberdade de informação não ter apenas uma componente individual associada à liberdade de expressão do pensamento, antes supor igualmente uma não menos importante dimensão coletiva, fundada na necessidade de manter uma opinião pública livre e informada, sem a qual não existe uma democracia adulta.
Em quarto lugar, ao não serem capazes de assumir – e a tão ativa presença neste dossier dos proprietários das empresas não quer dizer outra coisa… –, que a proclamada liberdade editorial, para além da autonomia de decisão dos responsáveis editoriais e dos jornalistas de cada órgão de comunicação social, é suscetível de ser conduzida por (legítimos mas nem sempre patentes…) interesses empresariais e comerciais.
Em quinto lugar, ao omitirem que as forças partidárias mais prejudicadas pela eventual inexistência de cobertura jornalística das campanhas eleitorais, incluindo a realização de debates televisivos, não são sequer as que propuseram o malogrado projeto e proporão os seus posteriores sucedâneos, mas sim as menos representativas e populares.
Na generalidade das democracias europeias, os modelos legislativos de cobertura das campanhas eleitorais conciliam de forma pacífica os interesses editoriais e comerciais dos órgãos de comunicação social com o direito à informação dos cidadãos e permitem a realização de debates televisivos esclarecedores e populares. Em Portugal, há cerca de dois anos, numa colaboração que lamentavelmente não teve continuidade, um grupo de trabalho formado por técnicos da CNE, cuja experiência é nesta matéria dificilmente substituível, e da ERC elaborou um documento de trabalho que formulava um conjunto de propostas sobre a organização e a cobertura dos debates televisivos eleitorais que permitiria, respeitando os princípios constitucionais, ultrapassar as dificuldades colocadas pelos operadores, sem colocar em causa os direitos das forças politicas menos populares e o direito dos cidadãos eleitores à informação. É um contributo que deveria ser tido em conta.
Vice-presidente da ERC
[1] Sublinhe-se, no entanto, que normas semelhantes existem, por exemplo, na Bélgica e, relativamente apenas ao setor público da comunicação social, em Espanha.