O planeta da fealdade

Uma herança indecifrável: o último filme de Alexei German.

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Pela sua dimensão, a todos os níveis, É Difícil Ser Um Deus deve bem ter sido o projecto da vida de Alexei German DR

Os seus outros filmes são olhares, mais ou menos enviesados, sobre a História soviética, por vezes recorrendo a uma espécie de sátira — como no imediatamente anterior Krustaliov, O Meu Carro!, que visitava a paranóia estalinista.

Este, que pela sua dimensão, a todos os níveis, deve bem ter sido o projecto da vida de German, é algo de substancialmente diferente de tudo o que antes tinha feito. A partir de um romance dos irmãos Strugatsky publicado em 1964, é uma incursão num género com forte tradição no cinema russo/soviético, a ficção científica. Mas, neste caso, uma ficção científica que substitui uma visão do futuro por uma viagem ao passado. É a história de um grupo de cientistas em missão num planeta em tudo semelhante à Terra mas onde o avanço da História “parou” num período semelhante ao da Idade Média.

Para German, mais do que fazer “fazer ficção científica”, trata-se de dar largas a um imaginário, à falta de melhores termos, medievalista, pictórico, grotesco. É muito curioso que nos lembremos, imenso, de outro filme russo, de produção recente, oriundo de um cineasta nem por isso muito próximo de German: o
Fausto de Sokurov. No Fausto não era o mesmo período histórico que estava em causa, mas a preocupação era semelhante no que toca ao trabalho sobre a fealdade e sobre o grotesco.

German filma num preto-e-branco soberbo, Sokurov filmava a cores, mas os filmes encontram-se no “levantamento” que fazem de elementos de uma “estética do feio”, inclusivamente colhidos na pintura histórica, sendo evidentes, no caso de German, as “presenças” de Brueghel ou Bosch.
É Difícil Ser Deus é um trabalho de bricolage visual impressionante: os longos planos cheios de movimento interno, a câmara sempre móvel a varrer os cenários, uma enorme quantidade de detalhes visuais em cada plano — como se fosse um dos últimos filmes pensados para as dimensões de uma grande tela de cinema. Também é massacrante, até mesmo em termos “poéticos” — o que é que exprime, hoje, este mundo feio e bárbaro, o que valia para a URSS dos anos 60 (quando o romance foi publicado) volta a valer para a Rússia de Putin? Na boa tradição do cinema soviético “indecifrável”, que é a origem de German, o filme não explica nada, é feito para deixar o espectador a matutar. É, em todo o caso, uma experiência impressionante, que tem tudo para dividir os espectadores, entre os que ficarão esmagados e os que ficarão, apenas, exasperados. Outros, porventura menos mas é o nosso caso, ficarão pelo meio termo.

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Os seus outros filmes são olhares, mais ou menos enviesados, sobre a História soviética, por vezes recorrendo a uma espécie de sátira — como no imediatamente anterior Krustaliov, O Meu Carro!, que visitava a paranóia estalinista.

Este, que pela sua dimensão, a todos os níveis, deve bem ter sido o projecto da vida de German, é algo de substancialmente diferente de tudo o que antes tinha feito. A partir de um romance dos irmãos Strugatsky publicado em 1964, é uma incursão num género com forte tradição no cinema russo/soviético, a ficção científica. Mas, neste caso, uma ficção científica que substitui uma visão do futuro por uma viagem ao passado. É a história de um grupo de cientistas em missão num planeta em tudo semelhante à Terra mas onde o avanço da História “parou” num período semelhante ao da Idade Média.

Para German, mais do que fazer “fazer ficção científica”, trata-se de dar largas a um imaginário, à falta de melhores termos, medievalista, pictórico, grotesco. É muito curioso que nos lembremos, imenso, de outro filme russo, de produção recente, oriundo de um cineasta nem por isso muito próximo de German: o
Fausto de Sokurov. No Fausto não era o mesmo período histórico que estava em causa, mas a preocupação era semelhante no que toca ao trabalho sobre a fealdade e sobre o grotesco.

German filma num preto-e-branco soberbo, Sokurov filmava a cores, mas os filmes encontram-se no “levantamento” que fazem de elementos de uma “estética do feio”, inclusivamente colhidos na pintura histórica, sendo evidentes, no caso de German, as “presenças” de Brueghel ou Bosch.
É Difícil Ser Deus é um trabalho de bricolage visual impressionante: os longos planos cheios de movimento interno, a câmara sempre móvel a varrer os cenários, uma enorme quantidade de detalhes visuais em cada plano — como se fosse um dos últimos filmes pensados para as dimensões de uma grande tela de cinema. Também é massacrante, até mesmo em termos “poéticos” — o que é que exprime, hoje, este mundo feio e bárbaro, o que valia para a URSS dos anos 60 (quando o romance foi publicado) volta a valer para a Rússia de Putin? Na boa tradição do cinema soviético “indecifrável”, que é a origem de German, o filme não explica nada, é feito para deixar o espectador a matutar. É, em todo o caso, uma experiência impressionante, que tem tudo para dividir os espectadores, entre os que ficarão esmagados e os que ficarão, apenas, exasperados. Outros, porventura menos mas é o nosso caso, ficarão pelo meio termo.