Actividade dos genes humanos varia ao longo das estações do ano
No Inverno, o corpo prepara-se para as doenças, no Verão, as pessoas estão em geral mais saudáveis. Este fenómeno está ligado a um ciclo sazonal da actividade de milhares de genes.
Ao todo, 5136 genes, entre os 22.822 genes humanos, mostraram ter um padrão cíclico ao longo do ano. Alguns destes genes são importantes para desencadear a inflamação, um dos fenómenos do sistema imunitário que ajudam o corpo a combater as infecções. Este padrão poderá ter sido desenvolvido quando o homem pré-histórico se deparou com o clima europeu, com dias curtos e frios, e teve de enfrentar as doenças típicas desta estação.
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Ao todo, 5136 genes, entre os 22.822 genes humanos, mostraram ter um padrão cíclico ao longo do ano. Alguns destes genes são importantes para desencadear a inflamação, um dos fenómenos do sistema imunitário que ajudam o corpo a combater as infecções. Este padrão poderá ter sido desenvolvido quando o homem pré-histórico se deparou com o clima europeu, com dias curtos e frios, e teve de enfrentar as doenças típicas desta estação.
Mas hoje, esta condição “pró-inflamatória” dos europeus no Inverno, como lhe chama os autores deste estudo, publicado esta semana na revista Nature Communications, poderá também estar associada a doenças cardíacas, psíquicas, auto-imunes e à diabetes. Para muitas destas doenças, já se tinha chegado à conclusão de que havia um padrão sazonal com um pico no Inverno. E nos últimos anos, tem-se associado a inflamação a estes problemas. O novo estudo relaciona pela primeira vez esta disposição “pró-inflamatória” no Inverno com o padrão sazonal dos picos daquelas doenças.
A equipa, liderada por investigadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, analisou amostras de 16.000 pessoas a viver em ambos os hemisférios: na Alemanha, nos Estados Unidos, na Islândia, no Reino Unido e na Austrália. Os cientistas também analisaram amostras de pessoas da Gâmbia, em África, que, embora esteja no Hemisfério Norte, se situa nos trópicos e não tem estações definidas pela temperatura. Mas tem um período do ano com chuva intensa, entre Junho e Novembro, equivalente ao Verão e ao Outono nas regiões temperadas do Hemisfério Norte, enquanto nos restantes meses quase não há chuva.
Os cientistas analisaram a actividade genética dos glóbulos brancos, que estão no sangue, e das células do tecido adiposo. É preciso lembrar que as células do corpo têm os mesmos cromossomas – conhecidos pela sua forma de X, onde está inserida a longa molécula de ADN que contém os genes –, já que todas são provenientes da divisão da célula inicial, resultante da fecundação do ovócito pelo espermatozóide.
É a partir dos genes que as células produzem as proteínas, usadas para as mais variadas actividades. No entanto, para cada tecido há tipos de células específicos, que desempenham determinadas funções e usam uma constelação própria de proteínas. Por isso, cada tipo de célula tem preferencialmente em actividade um grupo de genes. Deste modo, a análise dos cientistas mostra apenas uma pequena parte da realidade de todo o corpo humano.
"Descoberta surpreendente"
Ainda assim, os resultados são claros. Uma parte da informação veio da análise da actividade genética de bebés na Alemanha e mostrou que 2311 genes estão mais activos nos meses do Verão europeu e outros 2826 estão mais activos durante o Inverno europeu. Este padrão é o mesmo na Austrália, mas nos meses contrários, já que os meses de Inverno cá são os meses de Verão lá.
Um dos genes mais activos no Verão é o ARNTL, que suprime a actividade inflamatória. Se a sua actividade é menor no Inverno, então a função inflamatória está mais exacerbada nesta estação. “É realmente uma descoberta surpreendente”, defende John Todd, da Universidade de Cambridge, num comunicado desta instituição. “De alguma forma, este fenómeno é óbvio: ajuda a explicar por que é que tantas doenças, desde as cardíacas até às mentais, são muito piores no Inverno, mas nunca ninguém tinha compreendido a sua extensão. As implicações desta descoberta são profundas para a forma como tratamos doenças como a diabetes.”
Segundo os cientistas, a descoberta fundamenta a ideia de que no Verão nos sentimos mais saudáveis e dá uma possível explicação para haver mais mortes no Inverno, quando a situação fisiológica pode atingir certos limites, durante as infecções, principalmente nas pessoas mais velhas.
Por agora, os cientistas não sabem como é que o corpo controla estes ciclos. O tamanho dos dias ou a variação da temperatura ao longo do ano poderão influenciar a actividade genética. Um dado interessante resultante desta investigação veio da Gâmbia: ali, o pico pró-inflamatório está ligado à época das chuvas, altura em que doenças como a malária atacam mais.