Por um debate decente à esquerda
Seria bom que, à esquerda, se pudesse fazer um debate decente sobre a alternativa ao programa de empobrecimento da direita.
1. O contrato para a equidade laboral, dizem, “representa a extinção prática do conceito de justa causa consagrado na Constituição” e, com o “regime conciliatório”, a introdução do despedimento livre. Estão enganados. Na via conciliatória proposta, o trabalhador mantém as mesmas garantias, não pode ser despedido sem justa causa (o conceito de justa causa não é alargado) e pode sempre optar pelas regras atuais: indemnização e possibilidade de reintegração na empresa. O que o relatório propõe é pôr na lei um processo conciliatório que já hoje acontece em muitas empresas, mas de modo informal. Ora, a formalização desta negociação protege melhor o trabalhador, até porque o empregador, para iniciar o procedimento conciliatório, tem de informar as estruturas representativas dos trabalhadores.
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1. O contrato para a equidade laboral, dizem, “representa a extinção prática do conceito de justa causa consagrado na Constituição” e, com o “regime conciliatório”, a introdução do despedimento livre. Estão enganados. Na via conciliatória proposta, o trabalhador mantém as mesmas garantias, não pode ser despedido sem justa causa (o conceito de justa causa não é alargado) e pode sempre optar pelas regras atuais: indemnização e possibilidade de reintegração na empresa. O que o relatório propõe é pôr na lei um processo conciliatório que já hoje acontece em muitas empresas, mas de modo informal. Ora, a formalização desta negociação protege melhor o trabalhador, até porque o empregador, para iniciar o procedimento conciliatório, tem de informar as estruturas representativas dos trabalhadores.
Convenientemente, estes críticos esquecem que esta proposta integra um pacote de combate à precariedade laboral, incluindo uma forte restrição do recurso aos contratos a prazo e uma nova taxa sobre a rotação excessiva de trabalhadores. Essa taxa, paga pelas empresas que desempregam os seus trabalhadores mais do que a média do sector, obriga-as a suportar os custos de abusarem dos despedimentos, contribuindo mais para o financiamento da proteção no desemprego. Dada a extrema gravidade da precariedade laboral no nosso país, esse problema tem de ser atacado de forma decidida. Mas, infelizmente, há quem queira ignorar esse objetivo central deste exercício.
2. Os dirigentes do Bloco também atacam a redução da TSU das empresas, mas desvirtuando o que consta do relatório. O que realmente é proposto é baixar essa taxa para os contratos permanentes e só para estes. É mais uma medida para combater a precariedade laboral, porque dá um tratamento mais favorável ao emprego estável. A via proposta pelos economistas ao PS tem outro aspeto interessante: as empresas passam a contribuir menos via TSU (uma taxa em que pagam mais as empresas que empregam mais trabalhadores) e a contribuir mais via IRC (um imposto que só pagam as empresas que dão lucro). É uma troca amiga do emprego, em vez de beneficiar os lucros das grandes empresas. Foi, aliás, precisamente esta a justificação que o BE deu, há uns anos, para propor na AR a redução da TSU das empresas por troca de um aumento na taxa do Valor Acrescentado Bruto — mas agora já esqueceu isso e demoniza propostas que já foram suas só por retórica anti-PS. Mesmo quando essa proposta do BE era mais ineficiente na luta contra a precariedade, porque, ao contrário deste relatório, não distinguia entre contratos permanentes e os outros.
3. Os dirigentes do BE também acusam o PS de querer descapitalizar a Segurança Social. É uma acusação estranha, que passa de tangente às propostas para diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social, precisamente para melhorar a sua sustentabilidade. Infelizmente, a pressa leva-os a cometer erros tão grosseiros como pressupor que os instrumentos individuais de poupança à disposição dos trabalhadores são apenas privados, quando há oferta pública de instrumentos dessa natureza. A crítica informada daria mais trabalho, mas seria politicamente mais útil.
4. O artigo em apreço também ataca a proposta do complemento salarial anual, um “imposto negativo” pago a quantos durante o ano declarem rendimentos do trabalho inferiores à linha de pobreza (por exemplo, por terem períodos de trabalho com duração insuficiente para garantir um rendimento mínimo aceitável). Esta prestação seria mais abrangente do que o subsídio de desemprego, que exclui a larga maioria dos desempregados. Este fenómeno dos “trabalhadores pobres” preocupa o PS na ótica da defesa da dignidade do trabalho — a mesma ótica pela qual temos defendido o aumento sustentado do salário mínimo. Reação dos dirigentes do Bloco: isto é subsidiar o emprego precário e os baixos salários; o Estado não deve fazer isto, mas antes apoiar as empresas inovadoras e que apostam nas qualificações. Francamente, isto parece cair no discurso da direita “contra a subsidiodependência” (“temos é que apostar na competitividade das empresas e depois a pobreza logo desaparece”), porque esse discurso não passa de retórica destinada a impedir que o Estado se empenhe no combate direto às injustiças mais gritantes. Por vezes, na prática, as retóricas da direita e de certa esquerda convergem assustadoramente.
5. No PS, o debate sobre as propostas do grupo dos economistas está em curso. Muitas propostas poderão ser melhoradas. Seria bom que, à esquerda, se pudesse fazer um debate decente sobre a alternativa ao programa de empobrecimento da direita. Mas, infelizmente, isso poderá nunca acontecer se prevalecer a pulsão básica de certa esquerda contra os socialistas.
Secretário nacional do PS