Feios, porcos e maus
O regresso da personagem pós-apocalíptica criada por George Miller.
Um é É Difícil Ser Um Deus, obra derradeira do russo Alexei German, que está no ponto quase limite do cinema não-narrativo hardcore de autor; o outro é esta quarta aventura do ex-polícia futurista criado pelo australiano George Miller em 1979, “relançado” agora sob os traços do inglês Tom Hardy com estreia global simultânea de blockbuster-espectáculo para as massas. Mas, em comum, os dois filmes têm uma atitude “pegar ou largar” que não torna as coisas fáceis para o espectador na sua localização num universo neo-medieval, pré- ou pós-tecnológico.
Estrada da Fúria nem sequer se preocupa muito em explicar às pessoas quem é Max Rockatansky, atira-nos directamente para os desertos estéreis deste mundo futuro e assalta furiosamente o espectador ao longo da primeira meia hora enquanto Miller coloca discretamente os marcadores narrativos que balizam o filme. E o que se seguirá, então, é um delirante western pós-apocalíptico com Max como o “estranho misterioso”, relutante protector de uma caravana de mulheres que buscam santuário enquanto são perseguidas pelos “índios” de cujas garras escaparam. Dificilmente podíamos esperar de Estrada da Fúria melhor homenagem às origens de género da série, cuja popularidade sempre se alimentou dessa dimensão gonzo-xunga-exploitation desaustinada — e o novo filme parece vir mais na sequência de O Guerreiro da Estrada (1981) do que de Mad Max Além da Cúpula do Trovão (1985), retomando intactos o niilismo violento e desesperado, quase suicida, das origens. Como blockbuster, o mau feitio e a sujidade de Estrada da Fúria ganham mil vezes aos pontos à actual linha de montagem de super-heróis — e colocam-no, por exemplo, ao lado de Kingsman — Serviços Secretos, de Matthew Vaughn, na linhagem dos filmes que “resistem” enquanto podem à formatação hollywoodiana.
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Um é É Difícil Ser Um Deus, obra derradeira do russo Alexei German, que está no ponto quase limite do cinema não-narrativo hardcore de autor; o outro é esta quarta aventura do ex-polícia futurista criado pelo australiano George Miller em 1979, “relançado” agora sob os traços do inglês Tom Hardy com estreia global simultânea de blockbuster-espectáculo para as massas. Mas, em comum, os dois filmes têm uma atitude “pegar ou largar” que não torna as coisas fáceis para o espectador na sua localização num universo neo-medieval, pré- ou pós-tecnológico.
Estrada da Fúria nem sequer se preocupa muito em explicar às pessoas quem é Max Rockatansky, atira-nos directamente para os desertos estéreis deste mundo futuro e assalta furiosamente o espectador ao longo da primeira meia hora enquanto Miller coloca discretamente os marcadores narrativos que balizam o filme. E o que se seguirá, então, é um delirante western pós-apocalíptico com Max como o “estranho misterioso”, relutante protector de uma caravana de mulheres que buscam santuário enquanto são perseguidas pelos “índios” de cujas garras escaparam. Dificilmente podíamos esperar de Estrada da Fúria melhor homenagem às origens de género da série, cuja popularidade sempre se alimentou dessa dimensão gonzo-xunga-exploitation desaustinada — e o novo filme parece vir mais na sequência de O Guerreiro da Estrada (1981) do que de Mad Max Além da Cúpula do Trovão (1985), retomando intactos o niilismo violento e desesperado, quase suicida, das origens. Como blockbuster, o mau feitio e a sujidade de Estrada da Fúria ganham mil vezes aos pontos à actual linha de montagem de super-heróis — e colocam-no, por exemplo, ao lado de Kingsman — Serviços Secretos, de Matthew Vaughn, na linhagem dos filmes que “resistem” enquanto podem à formatação hollywoodiana.
Mas isso não invalida a ironia algo amarga de ver Mad Max a ser ele próprio transformado em franchise, e aqui mero “adjuvante” da verdadeira estrela do filme, Furiosa, a amazona condutora a que Charlize Theron empresta a sua habitual segurança. (Hardy, contudo excelente actor de composição, está claramente desaproveitado e a encaixar o cheque.) Às tantas, aliás, há a sensação de que Miller já não sabe para onde há de ir e se limita a acumular perseguições e combates automóveis para encher o olho (e, já agora, dar cabo dos ouvidos ao espectador). Há, ainda assim, um sentido de desmesura e delírio que faz a diferença da concorrência: Estrada da Fúria é como um tio inconveniente que se convida para uma reunião de família e seja o que Deus quiser. Geralmente, são eles a vida da festa.