Balanço e lições de uma greve estranha
A greve de pilotos da TAP encaixou perfeitamente na narrativa governamental de uma empresa impossível de gerir pelo Estado.
O primeiro custo da greve, que ninguém contabilizou, foi o sofrimento causado aos passageiros que perderam os seus voos, que perderam dias de férias ou de trabalho, que tiveram de passar horas ou dias à espera em aeroportos, sem que lhes fosse disponibilizado um hotel para dormir ou uma refeição para comer ou sequer um pedido de desculpas e uma informação séria. É evidente que uma greve provoca sempre incómodos aos utentes dos serviços paralisados e não era de esperar que esta não o fizesse. Mas existe uma diferença entre o incómodo de uma mudança de companhia e de aeroporto, de uma viagem mais longa que o esperado e o desespero causado pelo abandono a que milhares de clientes da TAP foram votados, sem saber o que se passava, se iriam chegar ao seu destino, nem como e muito menos quando. É sabido que, sempre que há cancelamento de voos, as companhias de aviação tratam os seus passageiros de uma forma arrogante (a TAP não é excepção) e que lhes recusam a informação mínima a que têm direito. Quem viaja com frequência conhece a tortura de ver o seu avião desaparecer sem explicação dos placards de informação, de não conseguir a mínima informação por parte dos funcionários que se encontram no aeroporto, de ter de calcorrear quilómetros de balcão em balcão para saber o que se passa, de ter de perseguir pelo aeroporto o funcionário que distribui os vouchers do hotel, etc. Quem já teve de fazer tudo isto arrastando crianças ou idosos, cansados, irritados, com fome e com sono, sabe do que se trata.
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O primeiro custo da greve, que ninguém contabilizou, foi o sofrimento causado aos passageiros que perderam os seus voos, que perderam dias de férias ou de trabalho, que tiveram de passar horas ou dias à espera em aeroportos, sem que lhes fosse disponibilizado um hotel para dormir ou uma refeição para comer ou sequer um pedido de desculpas e uma informação séria. É evidente que uma greve provoca sempre incómodos aos utentes dos serviços paralisados e não era de esperar que esta não o fizesse. Mas existe uma diferença entre o incómodo de uma mudança de companhia e de aeroporto, de uma viagem mais longa que o esperado e o desespero causado pelo abandono a que milhares de clientes da TAP foram votados, sem saber o que se passava, se iriam chegar ao seu destino, nem como e muito menos quando. É sabido que, sempre que há cancelamento de voos, as companhias de aviação tratam os seus passageiros de uma forma arrogante (a TAP não é excepção) e que lhes recusam a informação mínima a que têm direito. Quem viaja com frequência conhece a tortura de ver o seu avião desaparecer sem explicação dos placards de informação, de não conseguir a mínima informação por parte dos funcionários que se encontram no aeroporto, de ter de calcorrear quilómetros de balcão em balcão para saber o que se passa, de ter de perseguir pelo aeroporto o funcionário que distribui os vouchers do hotel, etc. Quem já teve de fazer tudo isto arrastando crianças ou idosos, cansados, irritados, com fome e com sono, sabe do que se trata.
Como acontece em qualquer crise, a administração da TAP poderia ter aproveitado a oportunidade para mostrar a têmpera da empresa e disponibilizado a todos os passageiros uma informação honesta e permanente — a primeira necessidade do passageiro, ainda mais importante que o transporte alternativo. Não o fez. É possível que não o tenha feito por incapacidade ou incompetência. É possível que o tenha feito para mostrar que algo está podre na TAP e que a privatização é a única solução. Nenhuma das alternativas dá uma boa imagem da empresa. A administração da TAP ou fez má gestão ou má política.
O custo reputacional foi o segundo grande problema e é provável que ele seja muito superior aos 30 milhões referidos. Custo reputacional para a TAP, pela atitude de indiferença pelos passageiros que lhe fica associada, mas também para Portugal como destino turístico. Para muitos turistas, as horas e os dias passados num aeroporto português sem qualquer informação foram horas e dias de inferno. É natural que o vão contar alto e bom som nos seus países e que não o esqueçam tão cedo.
Outro custo, finalmente, de difícil quantificação, é o custo reputacional que a greve dos pilotos teve para os sindicatos em geral e para a instituição da greve em particular. A greve é um instrumento de defesa dos direitos dos trabalhadores e tem, em princípio, uma motivação solidária de defesa do colectivo de trabalhadores. Mesmo quando reivindica benefícios apenas para um grupo, uma greve beneficia o colectivo, pois é o primeiro passo para que esse benefício se alarge a todos. Não era o caso desta greve, uma greve que defendia de facto a privatização da empresa apesar de não o admitir claramente, decretada em nome da defesa de um privilégio de duvidosa legitimidade, concedido apenas a um grupo profissional. As greves, sabemo-lo, não são muitas vezes populares. A partir desta, sê-lo-ão ainda menos. Daí que o Governo tenha adoptado em relação aos pilotos um discurso crítico mas surpreendentemente suave. A greve dos pilotos da TAP encaixou perfeitamente na narrativa da administração e governamental que refere uma empresa impossível de gerir pelo Estado e que tem de ser privatizada, onde os trabalhadores, indiferentes à situação da empresa, exigem privilégios irrealistas para si. Tivemos uma greve estranha. Tivemos um conflito entre sindicato, administração da empresa e Governo onde todos queriam (e querem) a privatização da empresa e depois do qual é provável que a causa da TAP pública tenha perdido força. Se tudo tivesse sido orquestrado, não teria sido melhor para os defensores da privatização.
Um ensinamento final que pode ser a única coisa boa a retirar desta história é que é importante que os trabalhadores participem nas decisões sindicais. O SPAC decretou legalmente uma greve que ninguém sabe se teve ou não o apoio da maioria dos pilotos, muitos dos quais criticaram duramente o processo interno de decisão. Esperemos que os trabalhadores tenham aprendido que, para garantir a sua representação nos sindicatos, devem participar neles.
Jornalista; jvmalheiros@gmail.com