Um fisco sem rosto humano
Justifica-se ou não que os trabalhadores dos impostos tenham prémios extraordinários decorrentes da cobrança coerciva?
Só no ano passado, o Estado arrecadou 1148 milhões de euros de impostos através da cobrança coerciva. É um número esmagador, que mais uma vez superou os objectivos fixados pelos seus dirigentes, e que por isso mesmo permitem uma espécie de “distribuição de lucros” pelos trabalhadores. É isso que vai acontecer este ano, num bolo que andará à volta dos 57,4 milhões. O anúncio foi feito há dias pelo Ministério das Finanças e gerou alguma controvérsia, sobretudo oriunda do interior da própria administração pública, mas é inquestionável que a tutela está escudada do ponto de vista legal. Uma lei de 1997, subscrita por António de Sousa Franco, então ministro das Finanças de António Guterres, abriu as portas à criação deste prémio cujo objectivo é incentivar a produtividade dos funcionários. O que agora se pode questionar é se os pressupostos desta legislação se mantêm na actualidade. É que tudo mudou em 18 anos. Hoje, a Autoridade Tributária é um autêntico Estado dentro do Estado sobre a qual foi feito um investimento brutal nos mais sofisticados meios informáticos, na qualidade dos seus quadros e, tão importante como tudo o resto, foi provida de um poder esmagador na cobrança coerciva. Um poder tão cego e discricionário que muitas vezes toca as raias da iniquidade de tão desproporcionado que é face aos meios disponíveis da parte do contribuinte. Recentemente, esta cegueira culminou em casos caricatos, como aquele em que o fisco penhorou quatro bolos associados a uma dívida de 92 mil euros por parte de um restaurante; ou uma outra penhora de bens alimentares a uma associação de apoio social do Porto; ou, ainda, aquele caso bizarro, relatado pelo JN, em que clientes (que pediram factura com NIF) de um restaurante cujo dono era visado num processo de execução fiscal receberam uma notificação de penhora de créditos.
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Só no ano passado, o Estado arrecadou 1148 milhões de euros de impostos através da cobrança coerciva. É um número esmagador, que mais uma vez superou os objectivos fixados pelos seus dirigentes, e que por isso mesmo permitem uma espécie de “distribuição de lucros” pelos trabalhadores. É isso que vai acontecer este ano, num bolo que andará à volta dos 57,4 milhões. O anúncio foi feito há dias pelo Ministério das Finanças e gerou alguma controvérsia, sobretudo oriunda do interior da própria administração pública, mas é inquestionável que a tutela está escudada do ponto de vista legal. Uma lei de 1997, subscrita por António de Sousa Franco, então ministro das Finanças de António Guterres, abriu as portas à criação deste prémio cujo objectivo é incentivar a produtividade dos funcionários. O que agora se pode questionar é se os pressupostos desta legislação se mantêm na actualidade. É que tudo mudou em 18 anos. Hoje, a Autoridade Tributária é um autêntico Estado dentro do Estado sobre a qual foi feito um investimento brutal nos mais sofisticados meios informáticos, na qualidade dos seus quadros e, tão importante como tudo o resto, foi provida de um poder esmagador na cobrança coerciva. Um poder tão cego e discricionário que muitas vezes toca as raias da iniquidade de tão desproporcionado que é face aos meios disponíveis da parte do contribuinte. Recentemente, esta cegueira culminou em casos caricatos, como aquele em que o fisco penhorou quatro bolos associados a uma dívida de 92 mil euros por parte de um restaurante; ou uma outra penhora de bens alimentares a uma associação de apoio social do Porto; ou, ainda, aquele caso bizarro, relatado pelo JN, em que clientes (que pediram factura com NIF) de um restaurante cujo dono era visado num processo de execução fiscal receberam uma notificação de penhora de créditos.
É óbvia a importância da eficácia na cobrança de dívidas, mas não é menos importante garantir a relação de equilíbrio entre as partes em conflito. O que se passa hoje, é justamente o contrário, com o fisco a puxar primeiro da pistola antes de acolher qualquer explicação ou permitir meios de defesa por parte do contribuinte. Ora este autoritarismo fiscal foi crescendo à medida que a máquina foi sendo desprovida de rosto humano. Hoje, o fisco é um conjunto de automatismos que funcionam cada vez mais através da programação informática, fazendo crescer as receitas à medida que a sofisticação de meios torna mais eficaz o cruzamento de dados. É por isso que ocorrem aqueles casos delirantes, é por isso que o contribuinte é tão pouco respeitado, é por isso que é questionável a aplicação da lei de Sousa Franco nos dias de hoje. A não ser que o perfil da Autoridade Tributária mude no sentido de garantir ao cidadão meios de defesa mais proporcionais numa esfera em que o Estado já quase não tem limites. Aí, sim, teremos a certeza que há intervenção humana no fisco.