Nos jardins do Marquês

Nos tempos em que a ribeira da Laje era navegável, os convidados do Marquês de Pombal passeavam sobre as águas em barcos engalanados.

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Já andei, numa crónica anterior, no rasto do Marquês de Pombal. Acabei, recordo-me, junto dos seus restos mortais, na Igreja da Memória, em Lisboa. Mas desta vez é um Marquês mais mundano e mais romântico que descubro nos jardins do seu palácio em Oeiras, antiga quinta de recreio da família Carvalho. 

Numa quarta-feira à tarde só encontro os jardineiros e alguns operários que estão a trabalhar na recuperação do edifício da adega. Ouvem-se diferentes pássaros e sente-se o cheiro doce das flores na Primavera. Mas sinto a falta de um som: o da água.

Esta quinta resulta da anexação de vários casais e quintas, pertenceu aos irmãos Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês (o Morgado de Oeiras fora instituído pelo seu tio, Paulo de Carvalho de Ataíde, em 1737), e Francisco Xavier de Mendonça Furtado e Paulo de Carvalho e Mendonça, e é um projecto arquitectónico com a assinatura de Carlos Mardel. Construída sobre terrenos férteis, foi no passado um lugar de homenagem à água com um sofisticado sistema hidráulico que evitava qualquer desperdício. 

A ribeira da Laje, que a atravessa, era navegável. Hoje há apenas um leve lençol de água sobre as pedras, e o cais de embarque está vedado. Mas podemos ler a descrição de como era no século XVIII, quando o Marquês aqui recebia as suas visitas: “A escadaria conduzia os convidados ou os donos da casa a um passeio sobre as águas em palanques engalanados.” Em redor, freixos, ulmeiros, salgueiros e “cascatas de flores que pendiam sobre as margens”. 

Ainda podemos atravessar as pequenas pontes sobre a ribeira, mas uma ponte em particular, descrita como “célebre”, já não existe. Era “de rija madeira do Brasil, montava-se só com encaixes e sem um único prego e desmontava-se para deixar passar a água furiosa dos Invernos e das cheias”.

Imagens inspiradas no que seriam estes passeios surgem nos painéis de azulejos de estilo rococó que cobrem os muros, as escadarias e os bancos dos jardins, por entre outras de anjos roliços a encorajar romances entre galantes cavaleiros e damas igualmente roliças ou cenas de caça com fidalgos elegantes a perseguir javalis e veados. 

A quinta era de recreio, mas funcionava também como casa agrícola, com os lagares do vinho e do azeite (este recuperado e visitável), a imponente adega decorada com os bustos dos imperadores romanos e capacidade para 900 pipas, e, por cima, o celeiro onde se guardavam os cereais da quinta para além dos provenientes das rendas pagas ao Morgado de Oeiras. 

Calcula-se que o azeite, dos oito olivais que o Marquês possuía em Oeiras, seria em tal quantidade que se destinaria ao consumo próprio da casa mas também à exportação para Lisboa. Há ainda uma Casa do Alambique, onde terá funcionado um destilador para fazer aguardente, provavelmente com o que sobrava da produção de azeite. 

Em frente ao palácio erguem-se duas gigantescas araucárias, que dão o nome ao terraço. Em baixo, há um jardim de flores criado pelo arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles nos anos 60 do século XX, na altura em que o palácio e os jardins pertenciam à Fundação Calouste Gulbenkian (desde 2003 pertencem à Câmara Municipal de Oeiras) — mas sabe-se que anteriormente, na época do Marquês, ali existia um laranjal. 

Contorno o edifício e descubro a Fonte dos Embechados, seca, decorada com pedaços de conchas, pratos partidos e espelhos, recanto romântico onde o Marquês e aquela que foi a sua segunda mulher e mãe dos seus cinco filhos, Leonor Ernestina de Daun, decidiram gravar as iniciais de ambos entrelaçadas.

Antes de atravessar uma das pontes para ir até à Cascata dos Poetas, paro um momento no antigo campo de jogos. Uma placa recorda a histórica visita que a rainha D. Maria I fez à quinta em 1783 (um ano depois da morte do Marquês de Pombal), vista como um sinal de reconciliação com a Casa de Oeiras. Conta-se que houve “jogo da bola” e foram oferecidos “sorvetes de várias castas”. 

Mas a grande sensação da visita real terá sido a Cascata dos Poetas, na altura chamada Gruta Nobre. Também aí a estátua de um gigante, figura alegórica ao rio Tejo, preside, deitado de lado, barbas encaracoladas e olhar perdido no horizonte, sobre uma cascata sem água, observado pelos bustos dos poetas Homero, Virgílio, Tasso e Camões, esculpidos por Machado de Castro. 

Atravesso depois a horta ajardinada e a Fonte das Quatro Estações até ao terraço das merendas, junto à adega, onde os operários trabalham. As duas enormes mesas de pedra ali estão, inamovíveis — o resto, temos de imaginar. Leio que haveria também “imensos cadeirões estilo D. José, em madeiras exóticas do Brasil, as toalhas, os tecidos dos vestidos, as sedas coloridas, os vidros, as pratas e os arranjos de frutos e flores da época”. 

E pelas cinco da tarde, depois do passeio de barco pela ribeira e antes do sol se pôr, conversava-se e petiscava-se nos jardins do Marquês, “ao som da água nos dois lagos onde nadam as carpas e da música instrumental”.