Questões técnicas e políticas
Sou uma dos 12 economistas que participou no documento Uma década para Portugal que tem estado mais ou menos na boca do mundo.
Não estando habituada a uma grande exposição pública, um dos aspetos engraçados deste processo é ler e ouvir o que se tem escrito e dito acerca deste trabalho no qual participei. Não deixa de ser interessante perceber que o que se lê e ouve na imprensa, em discurso direto e indireto e no que em geral acreditamos e levamos a sério, pode ser tão pouco rigoroso, tão superficial e, por vezes mesmo, tão longe da verdade.
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Não estando habituada a uma grande exposição pública, um dos aspetos engraçados deste processo é ler e ouvir o que se tem escrito e dito acerca deste trabalho no qual participei. Não deixa de ser interessante perceber que o que se lê e ouve na imprensa, em discurso direto e indireto e no que em geral acreditamos e levamos a sério, pode ser tão pouco rigoroso, tão superficial e, por vezes mesmo, tão longe da verdade.
Três breves comentários a afirmações que têm sido frequentes:
1. “O documento rejeita uma renegociação da dívida ou uma mudança de atitude na Europa”. É falso. O exercício foi feito dentro do quadro das normas europeias. Acredito que se conseguiu provar que é possível, no quadro das regras europeias, fazer muito diferente, indo muito mais longe do que este governo foi na preservação do estado social e do serviço público bem como na proteção dos mais frágeis. Isto não significa que não se ache essencial discutir as normas a que temos estado sujeitos. Pessoalmente, sou a favor da renegociação da dívida. Acho que os juros baixos que nos têm permitido alguma folga são instáveis e bastante imprevisíveis. Ficarmos reféns da evolução dos juros é mau sobretudo quando temos, hoje, uma dívida mais elevada do que tínhamos há 4 anos e uma base económica para servir esta dívida substancialmente mais pequena.
2. “O relatório prova que há uma submissão da política à economia”. Também me parece um análise limitada. O relatório pretende ser técnico. Foi elaborado por um conjunto de economistas e juristas, alguns dos quais com indiscutíveis provas dadas e, embora se baseie num conjunto de opções de natureza político/ideológica que, na minha opinião são, globalmente, vincadamente de esquerda, ainda assim não deixa de ser um relatório técnico cujas propostas, como chama a atenção o Prof. Daniel Bessa “... fazem sentido no seu conjunto” e é assim que devem ser lidas e discutidas. As opções políticas serão definidas pelo Partido Socialista no seu programa de governo. Não tem que haver uma subjugação destas opções ao relatório, mas ter uma boa base técnico/científica para orientar algumas dessas opções é um exercício extraordinariamente útil e sério que não pode ser visto de outra forma. Isto dá uma base ao Partido Socialista para decidir o que quer fazer na Educação e na Ciência, na Saúde ou na Justiça. E não obsta a que possa lutar por uma política (?) europeia mais progressista e menos condicionante.
3. “Os números usados e as previsões económicas estão na sua maioria errados”. Esta foi uma crítica que veio frequentemente sem nenhum tipo de suporte concreto. O relatório é passível de ser discutido e há uma total abertura para essa discussão e escrutínio. Todos os números são explicáveis e não há nenhuma tentativa de ocultação dos dados. Mas criticar os valores de modo superficial e sem um rigoroso entendimento do que está implícito no modelo, nem da amplitude das interações económicas que pressupõe, não é, na minha perspetiva, sério. Os dados foram discutidos durante semanas, o modelo foi escrutinado de modo sério e rigoroso. Por isso, estamos (e o Prof. Mário Centeno tem sido a prova viva disto) disponíveis para discutir e explicar tudo o que foi apresentado. Mas qualquer análise leviana que ponha este exercício a um nível de previsão primária não merece, da minha parte, qualquer respeito ou resposta.
Participei neste projeto com o único objetivo de envolvimento cívico. Tenho sido muito crítica de tudo o que foi feito nos últimos anos e sempre acreditei profundamente que havia alternativa: havia alternativa para fazer melhor no quadro da troika e da Europa (e não tenho dúvidas de que o trabalho apresentado o prova) e havia sobretudo alternativa à posição de submissão e de “bom aluno” perante os parceiros europeus. Devo dizer que esta simples expressão me cria alguma repulsa porque não somos nem devemos ser alunos de ninguém!
Finalmente, considero que ter feito parte deste grupo e trabalhar com alguns dos que considero, indiscutivelmente, dos melhores economistas nacionais foi um enorme privilégio e não posso deixar de louvar o Dr. António Costa por esta iniciativa única e que espero faça jurisprudência na forma de fazer política no nosso país.
Economista, docente da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa, no Porto