Marcelo e o código postal: meio caminho andado para as presidenciais?
Num debate em Santa Maria da Feira, os dois proto-candidatos do PSD mantiveram o tabu, mas deixaram visões diferentes sobre a Presidência da República.
Marcelo Rebelo de Sousa parece não fechar a porta às presidenciais, depois de traçar o perfil do Presidente da República: não presidencialista, nem muito à direita nem muito à esquerda, sem intervenção na esfera do Governo, próximo do eleitorado.
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Marcelo Rebelo de Sousa parece não fechar a porta às presidenciais, depois de traçar o perfil do Presidente da República: não presidencialista, nem muito à direita nem muito à esquerda, sem intervenção na esfera do Governo, próximo do eleitorado.
“Vê-se que tenho ideias sobre qual deve ser o magistério e a actuação do Presidente da República. Acho que, neste momento, já não é mau. É como o código postal, é meio caminho andado. Há coisas que não convêm que sejam feitas depressa demais”, disse na conferência Políticos – Sistemas e Pessoas, organizada pela JSD Nacional, na Biblioteca de Santa Maria da Feira. E deixou alguns avisos com alvos dirigidos: não se pode prometer o que “não corresponde às funções do PR” e Cavaco Silva não deve “continuar a mandar mensagens pelos jornais”.
Na sua opinião, o que se exige do Chefe de Estado é uma “gestão prudente, sensata, de pontes, de equilíbrios, a pensar nos consensos de regime”. “Essa gestão tem de ser feita ao centro, não pode ser feita à esquerda ou à direita”. Por isso, o Presidente não se pode confinar a um “hemisfério político”, deve ser mais abrangente. As propostas políticas devem ser claras e deve haver uma magistratura de afectos. “A recuperação dos portugueses para a política passa pelo afecto”, na proximidade dos políticos aos cidadãos, defendeu.
Marcelo não alimentou o assunto presidenciais: com as legislativas no horizonte, defende um apelo claro à maioria absoluta e um “contraste claro entre as propostas”. Defendeu estabilidade, pactos de regime e que os sistemas estruturantes não podem estar permanentemente sob fogo cruzado. Em suma, uma reforma do sistema político que favoreça a criação de maiorias estáveis.
“Nenhuma democracia aguenta clivagens permanentes. Só há uma democracia estável e com coesão social se não se discutir todos os dias o essencial dos sistemas do regime”, afirmou. Como adepto do reforço de governos estáveis, defendeu votos de confiança dos projectos eleitorais para reduzir o risco de governos minoritários: “E quem deita abaixo tem de ter uma alternativa”.
Marcelo saiu, Marques Mendes também, e Rui Rio entrou no debate – não sem antes Marcelo cumprimentar Rio.
O ex-autarca do Porto contornou o tema presidenciais no debate, mesmo quando a questão lhe foi colocada da assistência. Aos jornalistas, voltou a não responder, mas cedeu a revelar um pouco do perfil que defende para o próximo inquilino de Belém: “O próximo Presidente da República tem de atender mais às questões de regime do que até agora atendeu”, disse, acrescentando que “tem de ter uma zona de acção interventiva em torno das grandes reformas do regimes”.
Durante o debate, fez várias considerações. Não simpatiza com o voto obrigatório, concorda com listas independentes às juntas de freguesia e câmaras, mas não à Assembleia da República. O ex-autarca vê “cada vez mais gente fraca na política”, um poder político enfraquecido e desacreditado, mas não vê um regime melhor do que o actual.
O que é necessário, avisa, é devolver a vitalidade da democracia e reforçar a governabilidade com a devida fiscalização. “Um poder político fraco tem dificuldade em dizer 'não' e acaba por dizer 'sim' ao que devia dizer 'não'”. E não haverá boas notícias no horizonte se não houver reformas no sistema político, no sistema judicial, disse: “Vai haver degradação daquilo que temos, vamos ter uma democracia de pior qualidade”, uma democracia “sem rosto” em que “o ditador muda em cada circunstância”.
E quando se aponta o dedo às dívidas dos municípios, ao poder local, o ex-autarca devolve as acusações e afirma que “quem rebentou com o país foi administração central”, que vê como “um bicho brutal, difícil de gerir”.
Vícios, pecados e falta de coragem
Antes, Marques Mendes falou de vícios, de pecados, de reformas, de falta de coragem. Na sua opinião, os programas eleitorais deviam ser submetidos à análise de uma entidade pública independente, equidistante dos partidos, em nome de maior exigência e rigor.
“As promessas eleitorais são o maior vício do nosso Estado de Direito”. E, nesta matéria, “não há partidos virgens, todos têm pecados e pecados sérios”. Nem o PS, nem o PSD, escapam à sua observação. “Não vejo um programa eleitoral a ser cumprido e é melhor que cada um não atire pedras ao vizinho”. “É uma autêntica vergonha o discurso muito bonito do ‘só prometo o que posso cumprir’”, acrescentou.
O sistema eleitoral, em seu entender, não favorece a escolha dos melhores, não valoriza o mérito. “Este modelo está esgotado e só é polémico junto dos responsáveis políticos, os cidadãos compreendem isso”. Marques Mendes apresenta o exemplo do modelo alemão, o sistema misto, os círculos uninominais, a representatividade dos pequenos partidos, a escolha de pessoas e não tanto dos partidos nas eleições autárquicas.
Há 18 anos, PSD e PS concordaram em mudar as regras do jogo e nada aconteceu: “Não têm coragem e está tudo dito”. “Mudar o sistema eleitoral não é a solução mágica, é um choque de dentro para fora, é um sobressalto cívico que vai permitir que os partidos se reformem um pouco”, disse. E defendeu: “Precisamos de apostar no mérito, na competência, na qualidade”.
Luís Montenegro, presidente do grupo parlamentar do PSD, na sessão de abertura trocou propositadamente o nome do debate, em jeito de provocação. “Políticos e Presidentes da República, perdão Políticos – Sistemas e Pessoas”, disse antes de entrar em comparações políticas. “Há um projecto que tem pelo menos duas imagens de marca: o facilitismo e a arrogância. E há outro projecto que tem pelo menos duas grandes imagens de marca: a responsabilidade e a esperança”.
A palavra arrogância entrou várias vezes no seu discurso para criticar as promessas dos socialistas. “De uma assentada, sem explicar como, nem porquê, nem quais as consequências, dizem que vão repor tudo”, criticou. “Há uma cultura de poder que tem de ser denunciada: a arrogância”. E recordou o polémico sms de Costa. “Se fossemos nós a fazer isso, aqui d’el rei que a liberdade de imprensa estava em causa, mas António Costa tem um direito especial, o direito ao desabafo”.
Amadeu Albergaria, deputado do PSD, abriu os trabalhos sem deixar passar em branco a presença do secretário-geral do PS, António Costa, na mesma sala no dia anterior, num encontro com militantes e simpatizantes do partido. “Ontem nesta sala esteve o regresso ao passado, hoje está nesta sala o futuro”.