No Montepio, falam, falam, mas não os vejo a fazer nada
Um é verde esperança e o outro amarelo-torrado. Mas ambos têm semelhanças arrepiantes
“Eu dou-me bem com toda a gente. Dou-me bem e fazem-me isto? Troca, não troca, troca, não troca. Mau… Assim vou fazer a minha vida para outro lado, pá. Para sítios onde inclusivamente a malta me diz: ‘Eh pá, e tal, sim senhor.’ Agora ali falam, falam, pá, e eu não os vejo a fazer nada. Fico chateado, com certeza que fico chateado.”
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“Eu dou-me bem com toda a gente. Dou-me bem e fazem-me isto? Troca, não troca, troca, não troca. Mau… Assim vou fazer a minha vida para outro lado, pá. Para sítios onde inclusivamente a malta me diz: ‘Eh pá, e tal, sim senhor.’ Agora ali falam, falam, pá, e eu não os vejo a fazer nada. Fico chateado, com certeza que fico chateado.”
Esta era a conversa de Ricardo Araújo Pereira dos Gato Fedorento numa campanha publicitária do Montepio Geral aqui há uns anos. Mas bem podia ser a conversa de qualquer cliente ou mutualista do Montepio que hoje em dia se questiona se há-de ir fazer a “vida para outro lado”. Para saber se há-de levar o seu dinheiro para um outro banco, daqueles onde a malta diz: "Eh pá, e tal, sim senhor."
O que se está a passar no Montepio Geral é inqualificável. Inqualificável precisamente porque não se sabe o que é que se está a passar no Montepio. O banco apresenta prejuízos avultados, faz operações controversas de aumento de capital e "troca, não troca" dinheiro entre a Associação Mutualista e o banco Caixa Económica. Há muito que se percebeu que há uma parte do grupo que está em terra de ninguém em termos de supervisão bancária e não vejo ninguém fazer nada.
Para se perceber a história é preciso perceber a estrutura do grupo. O grupo Montepio Geral é baseado em duas entidades anexas, o banco (a Caixa Económica Montepio Geral) e a associação (a Associação Mutualista), sendo a associação o maior accionista e o maior cliente do banco – e ambos têm uma administração liderada pela mesma pessoa, Tomás Correia. É uma estrutura de má memória que nos faz lembrar o BES e as relações incestuosas entre o banco e o Grupo Espírito Santo, em que Ricardo Salgado era dono de um e senhor do outro.
No caso do império Espírito Santo, havia uma parte do grupo (a área não financeira) que escapava à supervisão do Banco de Portugal por estar domiciliada no Luxemburgo e foi isso que, aliado à passividade do governador, ajuda a explicar a dimensão do colapso do banco e do grupo. No caso do Montepio, a cabeça do grupo, a associação, por ser mutualista, é tutelada pelo Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social. E não tem de dar satisfações a nenhum supervisor financeiro, apesar de nas suas competências estar a captação de poupanças junto dos particulares. No caso do banco, por estar no sector financeiro, está sob a alçada do Ministério das Finanças e é fiscalizado pelo Banco de Portugal que, no entanto, não tem poderes de actuação sobre a associação mutualista.
Depois do que vimos no BES e das conclusões da própria comissão de inquérito parlamentar que vieram desincentivar a existência de conglomerados mistos na banca, não se percebe a passividade com que o Governo tem lidado com a situação. O PÚBLICO noticiou esta quarta-feira que há sete meses (sim, sete meses) que os três supervisores – Banco de Portugal, CMVM e o supervisor dos seguros – escreveram uma carta ao Governo a solicitar medidas urgentes no sentido de possibilitar a adequada supervisão da associação. Até agora zero. O que pode transpirar desta crónica até pode ser injusto para com uma instituição com 175 anos de história (o BES tinha 145 anos), mas já diz o provérbio que "gato escaldado de água fria tem medo". E no caso do Montepio nem sequer percebemos se a água está fria, quente ou morna.
Perante este vazio de supervisão, o Montepio vai tapando os buracos como pode. Fez um aumento de capital em 2013 junto dos clientes de 200 milhões de euros a que o próprio presidente da CMVM torceu o nariz. Carlos Tavares foi ao Parlamento dizer: “Quando aprovámos aquele instrumento, aprovámos com muitas reservas.” E acrescentou: “Um cliente que não tinha possibilidade de arriscar não devia nunca ter subscrito aquelas unidades de participação." O que não se percebe é por que razão o supervisor aprova um produto em relação ao qual “tem muitas reservas”; ou melhor, percebe-se da mesma maneira que se percebeu a aprovação, igualmente com muitas reservas, do aumento de capital do BES numa altura em que já se conheciam as fragilidades do grupo. Depois, claro, os clientes que perdem o seu dinheiro, como diz a campanha, "ficam chateados, com certeza que ficam chateados". Um novo aumento de capital do banco que está na calha (também através do Fundo de Participação Caixa Económica Montepio Geral), de 200 milhões de euros, já não será subscrito pelos clientes, mas sim pela própria associação mutualista, vá-se lá perceber como.
O grupo tinha agendado para o final de Abril uma assembleia geral para mudar os estatutos, de forma a separar a gestão entre a associação e a Caixa Económica, mas, por “razões formais”, diz o presidente, vá-se lá perceber quais, foi adiada para o final deste mês.
Isto tudo passa-se num banco, como recordava há dias o PÚBLICO, que está contabilizado nas contas da associação mutualista a 1700 milhões de euros, mais 500 milhões do que vale o BPI, que tem activos que valem quase o dobro dos do Montepio. Aliás, há dias Fernando Ulrich dizia que "pôr o BPI ao lado" do BES ou do Montepio "é uma ofensa". Cabe à gestão do Montepio, aos supervisores e ao Governo fazerem urgentemente alguma coisa para que não se instale a ideia nos clientes e associados de que o Montepio e o BES são a mesma coisa.