Cameron ou Miliband? As apostas estão feitas, agora faltam os votos
Dizem as sondagens que os britânicos elegem esta quinta-feira um Parlamento sem uma maioria e profundamente fragmentado. Não há precedentes para um cenário destes e o que se vai passar a seguir depende do bom senso dos políticos.
Na véspera da votação, também as sondagens mantinham o empate entre os dois maiores partidos, o conservador de Cameron e o trabalhista de Miliband. E nem um comentador político arriscava projectar um cenário pós-eleitoral. Preferiam a cautela, uma palavra que não existe no léxico do mundo das apostas.
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Na véspera da votação, também as sondagens mantinham o empate entre os dois maiores partidos, o conservador de Cameron e o trabalhista de Miliband. E nem um comentador político arriscava projectar um cenário pós-eleitoral. Preferiam a cautela, uma palavra que não existe no léxico do mundo das apostas.
Talvez por isso, o número de apostas subiu nos últimos dias, dizem as duas mulheres no balcão da William Hill – uma das maiores empresas de jogo do mundo – no bairro londrino de Bayswater. “E aconteceu uma coisa muito estranha, apareceu muita gente a apostar em resultados do UKIP [o partido xenófobo e anti-europeu]”, dizem Charlene e Jin.
Há apostas para todos os gostos, para todos os riscos e para todos os graus de coragem. A “aposta dos fracos” – como lhe chama Charlene – é a que diz o que toda a gente já sabe, que não sairá uma maioria destas legislativas; se for este o resultado eleitoral, por cada 16 libras apostadas ganha-se apenas uma. A aposta dos mais arrojados dá maioria absoluta ao UKIP (Partido da Independência do Reino Unido), e paga 500 libras por cada uma apostada. As apostas são uma indústria de peso no Reino Unido, e aposta-se em tudo, do futebol às corridas de cavalos, dos resultados políticos aos nomes dos bebés da realeza.
O mercado de apostas diz, então, que Cameron vai conseguir eleger mais deputados. As sondagens confirmam. De acordo com a última previsão do jornal The Guardian (que faz a soma de todas as sondagens), publicada nesta quarta-feira, os conservadores poderão eleger 276 dos 650 deputados de Westminster. Os trabalhistas poderão conseguir 269 lugares. Para um deles chegar à maioria são precisos 326 lugares.
Assim, diz ao PÚBLICO o professor de política britânica e europeia na universidade Queen Mary, em Londres, Tim Bale, mal as urnas encerrem, às dez da noite desta quinta-feira, começam as operações de aritmética. E quem conseguir juntar mais votos, em coligações, alianças de longa duração ou acordos pontuais, torna-se primeiro-ministro.
Mas a aritmética não é simples. Porque um dos números da equação chama-se Escócia, onde o Partido Nacional (SNP, pró-independência) poderá eleger 50 ou mais deputados para Westminster. O SPN vai roubar toda, ou quase toda, a representação trabalhista por este país. E por mais que o mercado das apostas esteja optimista em relação a Miliband, o líder trabalhista vai ter que se esforçar para chegar ao número de deputados que lhe assegure o governo.
Por razões políticas e económicas, Miliband rejeitou a coligação que a líder do SNP, Nicola Sturgeon, lhe ofereceu. O SNP preconiza a dissolução do Reino Unido e quer compromissos sobre um aumento substancial da despesa do Estado.
O espectro do fim da união e do aumento do défice, com o surgimento de um cenário de cofres vazios e uma crise “à europeia”, foi uma arma que Cameron utilizou contra os trabalhistas.
Nesta quarta-feira, Miliband tentou, pela última vez, apagar a imagem “governo trabalhista = caos” que os conservadores se esforçaram por construir. Como nunca fizera em seis semanas de campanha, acentuou a diferença ideológica entre os trabalhistas – “o partido que defende os direitos dos trabalhadores, o bem-estar dos trabalhadores” – e os conservadores.
O processo de construção de um governo, diz Bale, pode ser amargo. “O Reino Unido não tem uma Constituição escrita pelo que não há regras definidas para situações como esta. A última vez a que se assistiu a um cenário semelhante foi nos anos de 1920 e não pode ser considerado um precedente. Pelo que está tudo em aberto, depende tudo do que estes homens decidirem fazer”, diz Bale, explicando que a tradição dita que seja o primeiro-ministro cessante, Cameron, a ter a iniciativa de indicar um vencedor.
“O papel dele é aconselhar a rainha, dizendo-lhe quem é o candidato mais bem colocado para formar um governo estável, ou seja que passe na moção de confiança que é votada logo após o discurso com que a monarca abre o Parlamento. A questão é sabermos se Cameron vai ‘desistir’ facilmente ou se se vai recomendar a si próprio. Na minha opinião, não vai desistir”, diz Bale. “Durante toda a campanha os conservadores esforçaram-se por passar a ideia de que se elegerem mais deputados têm direito de formar governo”, diz Bale.
Porém, na recta final da campanha, Ed Miliband também deixou bem claro que não abrirá mão do governo, mesmo tendo menos deputados, caso consiga juntar apoios suficientes no Parlamento para passar a moção de confiança.
De acordo com o jornal The Telegraph, a equipa de Miliband começou a planear uma estratégia para retirar Cameron de Downing Street já na noite de sexta-feira. Os membros do partido receberam cópias do Manual do Governo, o livro que explica o que deve ser feito em caso de impasse, de forma a que surjam ideias que impeçam Cameron de ter a primeira iniciativa. Além disso, o partido está a negociar com as principais estações de televisão entrevistas com trabalhistas de prestígio mal as urnas encerrem. Todos eles vão comentar os resultados eleitorais na perspectiva da vitória trabalhista e sublinhar que a constituição do novo Parlamento é favorável a um entendimento com Miliband, não com Cameron.
“O que temos aqui, é um jogo sem regras”, diz Tim Bale, explicando que, pela primeira vez, poderá surgir um cenário que leve a que a legitimidade do governo seja posta em causa.
De tal forma o jogo não tem regras que Cameron e o seu parceiro de coligação, o liberal-democrata Nick Clegg, começaram a negociar, em público, os termos de uma nova parceria.
Na terça-feira, Clegg – cujo partido elegeu 57 deputados em 2010 mas pode perder pelo menos metade agora – pediu a Cameron para renovar a coligação. “É a única forma de manter a estabilidade e de evitar que tenha que haver novas eleições, antes do Natal”, disse Clegg. Repetir as eleições é uma possibilidade caso ninguém se entenda neste Parlamento suspenso (hung parliament).
Nesta quarta-feira, Cameron – que andou em campanha por Londres - respondeu-lhe dizendo que os conservadores querem tentar formar governo mas não querem deixar cair a “reforma da União Europeia”, uma forma eufemística de perguntar ao outro se aceita o referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE, que o conservador quer realizar em 2017. Clegg aceitou, disse que o seu partido está disponível para assinar um acordo de coligação que inclua o referendo.
O jogo começa a definir-se e, de um lado, parecem estar já Cameron e Clegg. Do outro lado há mais incertezas. Nem o mercado de apostas dá pistas sobre o que se pode passar. Na William Hill, o trabalhista e o conservador estão empatados até naquilo que podem render. Cameron e Miliband valem pouco para quem aposta neles – meras 11 libras por cada dez investidas.