Nem BI, nem caneta
Num país onde não existe bilhete de identidade, o que vale é a palavra.
Ambas traziam a sua inscrição eleitoral, uma espécie de cartão postal que chegara há umas semanas, com todas as informações necessárias: o número de eleitor, um mapa a indicar o local de voto, o horário em que as urnas estariam abertas, instruções para votar pelo correio ou por procuração, telefones e links para dúvidas.
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Ambas traziam a sua inscrição eleitoral, uma espécie de cartão postal que chegara há umas semanas, com todas as informações necessárias: o número de eleitor, um mapa a indicar o local de voto, o horário em que as urnas estariam abertas, instruções para votar pelo correio ou por procuração, telefones e links para dúvidas.
Fomos recebidos por três militantes, dois dos Tories e uma dos Lib Dem. “Podem-me dizer, por favor, o vosso número de eleitor?”, disse a liberal-democrata.
Latino, desconfiei. Para que é que aquela mulher queria o número de eleitor? “É para sabermos que já votaram. Senão, no final do dia vão lhes telefonar. Os partidos fazem isso, em especial quando conhecem de antemão a preferência dos eleitores”, explicou a senhora. De facto, já tinham batido à nossa porta antes, para indagar com quem simpatizávamos.
Os militantes conservadores também anotaram os números e avançámos para a mesa de voto, a minha mulher e a minha filha com o cartão eleitoral e o passaporte na mão, prontas a demonstrar que eram quem são.
Não necessitavam desta cautela administrativa. Num país onde não existe bilhete de identidade, o que vale é a palavra. Tudo o que lhes foi pedido foi para dizerem o número do registo eleitoral e repetirem o nome completo. Nem era preciso o cartão, tampouco exigiu-se uma assinatura – o supremo acto de validação da existência humana.
Confirmado verbalmente que ali estava alguém que dizia ser quem era, o membro da mesa de voto a cargo das listas eleitorais simplesmente anotou os números numa folha de presença, a lápis, e entregou-lhes os boletins.
Setenta anos depois de surgir comercialmente, a caneta esferográfica não tem lugar nas eleições britânicas – nem mesmo na cabina de voto, onde um lápis preso a uma cordinha é tudo o que se exige para o exercício democrático.
Na saída, perguntei aos mesmos militantes por que razão se usava lápis e não canetas. “Aí está uma boa pergunta”, disse um dos tories. “Não sei, nunca tinha pensado nisso”, secundou a lib dem. “Procura no Google”, sugeriu o terceiro elemento.
Procurei e há uma razão plenamente convincente: num país com tanta chuva, uma urna molhada pode arruinar os boletins marcados a caneta.
É claro que, noutras latitudes, qualquer observador internacional franziria o olho perante uma eleição sem bilhetes de identidade, sem assinaturas e com tudo escrito a lápis. Mas não nesta ilha.