Mais de 2000 crianças recriaram os 500 anos da história dos azulejos em Beja

As lajes de mármore da principal praça da cidade alentejana e as fachadas de edifícios foram cobertas com desenhos de uma arte que ainda cobre o interior de boa parte dos monumentos da capital do Baixo Alentejo.

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O dia estava magnífico. Apenas o vento obrigava a repor no lugar as cartolinas e os cartões que as mais de 2000 crianças das escolas de Beja levaram para expor na primeira Festa do Azulejo realizada na cidade. Filas mais ou menos numerosas de alunos “capitaneados” pelas professoras que transportavam o contributo da turma surgiram dos principais acessos à praça, invadida pelo barulho de um grupo de “zés pereiras” formado por rapazes e raparigas do ensino básico e pela algaraviada de centenas de crianças que ali desaguavam. De um grupo de mulheres que assistiam, saiu um desabafo: “Eh porra nunca pensei que houvesse tanta criança em Beja”.

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O dia estava magnífico. Apenas o vento obrigava a repor no lugar as cartolinas e os cartões que as mais de 2000 crianças das escolas de Beja levaram para expor na primeira Festa do Azulejo realizada na cidade. Filas mais ou menos numerosas de alunos “capitaneados” pelas professoras que transportavam o contributo da turma surgiram dos principais acessos à praça, invadida pelo barulho de um grupo de “zés pereiras” formado por rapazes e raparigas do ensino básico e pela algaraviada de centenas de crianças que ali desaguavam. De um grupo de mulheres que assistiam, saiu um desabafo: “Eh porra nunca pensei que houvesse tanta criança em Beja”.

As correrias e o entusiasmo da moçada punham a cabeça em água às docentes, que procuravam manter a disciplina possível. “Sotora! Atão a gente nã pinta”, implorava Bruno Carapinha, a olhar extasiado para a mesa comprida onde estavam caixas de azulejos brancos colocados à disposição das crianças para que copiassem alguns modelos históricos. Mas houve crianças que optaram por improvisar e pintar os temas dos mais variados como árvores, pássaros a voar, casas no campo alentejano, etc.

A paciência dos professores e de quase meia centena de pessoas que se disponibilizou para dar apoio às actividades da Festa do Azulejo era proporcional à alegria das crianças.

Jovens ciganos dedilhavam uma guitarra e cantavam flamengo, batiam palmas sincopadas com a voz rouca e trinada, felizes por participar. Um deles deu ao PÚBLICO a explicação lógica para tanto contentamento: “somos todos humanos”.

Às 11h, a praça com cerca de 80 por 40 metros está literalmente cheia de crianças e de desenhos de azulejos. A pequena orquestra de violinos e violoncelos do Conservatório Regional de Música do Baixo Alentejo tenta fazer-se ouvir. É a primeira vez que actuam em público e o seu nervosismo é patente. Os cantares alentejanos ficaram a cargo dos alunos do ensino básico da Escola Mário Beirão.

Uma história com mais de cinco séculos
Vários cubos de madeira de 1x1 metro explicavam a história do azulejo na cidade de Beja. Em 1467, para a construção do Palácio dos Infantes e do Real Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, estes eram importados de Valência e serviam para forrar os pavimentos e paredes das suas salas. É quando surge, pela primeira vez, em Portugal, o estilo Manuelino-Mudéjar que passaria a cobrir o interior das grandes casas apalaçadas.

Em 1506, o Real Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição encomenda de Sevilha azulejos para o refeitório e para a sala do capítulo, marcando a passagem do tardo-gótico para o renascimento e uma mudança de linguagem na arquitectura, assim como de estilo e de técnica.

Anos mais tarde, com a presença espanhola a partir de 1580, Portugal entra em crise financeira e passa a ser proibida a importação de materiais considerados de luxo, como os têxteis, brocados, damascos e tapetes, obrigando a criar novos métodos para o revestimento de paredes. Os oleiros portugueses vão iniciar o fabrico de azulejos e a partir deles formar novas geometrias, previamente desenhadas nas paredes.

As grandes produções eram fabricadas em Lisboa. Beja importa imensas quantidades da nova opção arquitectónica para a grande maioria dos seus conventos e igrejas e dá início à azulejaria barroca com a encomenda para a Igreja dos Prazeres de um revestimento que retrata a vida de Cristo.  

Nos anos vinte do século XX, as famílias de Beja ligadas à agricultura enriqueceram as suas casas com azulejaria de fachada, ao estilo Arte Nova. A grande maioria foi adquirida na Fábrica de Sacavém e os motivos utilizados são naturalistas, como flores, pássaros e clássicos. A azulejaria do século XX está hoje presente em 27 ruas da cidade de Beja e a estação da CP, o Jardim Público e a Escola Secundária Diogo de Gouveia possuem painéis de grande dimensão alusivos à azulejaria historicista, própria da propaganda do Estado Novo, que propunha imagens ligadas às tradições populares, trabalhos agrícolas e episódios cavaleirescos da história local.

Um sonho antigo
Florival Baiôa é presidente da Associação de Defesa do Património de Beja (ADPB) e o principal dinamizador da 1ª Festa do Azulejo em Beja, financiada por fundos comunitários. Há 15 anos que pesquisa e faz levantamentos sobre a arte azulejar de Beja, mas só agora é que encontrou "vontade política e disponibilidade financeira para realizar esta grande exposição sobre o azulejo”, confessou ao PÚBLICO, radiante pela receptividade que teve de professores e alunos. Contou com o apoio do Turismo do Alentejo, da Câmara de Beja e da Polícia Judiciária, que encarou o festival como um veículo para combater o roubo e a vandalização dos azulejos.

“Sensibilizámos as escolas e desde Outubro que os moços estão a trabalhar para o projecto mas antes visitaram os edifícios e monumentos com espólio azulejar para se inspirarem”, explica Baiôa, frisando que o projecto foi apoiado pelo programa europeu Inalentejo. Através dele, a ADPB quer valorizar a  colecção dos mais de cinco séculos da azulejaria de Beja. Uma colecção enorme que está a ser revelada “com objectivos didáticos e turísticos”, explica, garantindo que “nenhuma cidade portuguesa tem o espólio azulejar como o existente em Beja”

O projecto que foi aprovado em 2013 passa pela criação de rotas turísticas do azulejo e vai ser publicado um livro sobre o tema e até confeccionada roupa com desenhos alusivos aos azulejos de Beja.

Florival Baiôa destaca o contributo “fantástico” que foi dado pelas crianças e jovens da etnia cigana e das crianças com necessidades especiais que frequentam as escolas de Beja. “Foram eles que pintaram grande parte dos desenhos. Passaram o ano inteiro a pintar”. E o resultado foi visível. Para o ano haverá mais.

Entretanto e até ao próximo sábado o evento vai prosseguir como uma exposição de fotografia "Arte Azulejar de Beja", no Museu Regional de Beja, e a exposição "Arte Azulejar de Beja nas Escolas", na Casa do Cante.

Na sexta-feira, e no Teatro Municipal Pax Julia, haverá a apresentação de um filme sobre o tema do festival e no Museu Regional terá lugar o lançamento do livro "Arte Azulejar de Beja", a partir das 21h00. O festival termina no sábado com um desfile de moda com peças de vestuário inspiradas na azulejaria de Beja, a partir das 21h30, na Pousada de São Francisco.