O portunhol de Afonso Cruz na Colômbia, sem tradução simultânea

Há literatura portuguesa na Colômbia, para além de Pessoa e de Saramago. O ukulele de Afonso Cruz ajuda.

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“Os portugueses não falam espanhol, mas pensam que falam”, explicou Afonso Cruz na Feira Internacional do Livro de Bogotá (FILBo), sábado à tarde. A propósito, o escritor tinha “una historia muy engraçada” para contar. Ele próprio duvidou da palavra e, como se estivesse a pensar em voz alta, virou-se para o seu interlocutor colombiano e perguntou: “Engraçada??”

Cómica”, responderam na sala.

Em 2013, quando Portugal foi o país-convidado na FILBo e Afonso Cruz foi um dos autores presentes, o escritor e ensaísta Miguel Real apresentou um livro de Cruz. “Há uma palavra portuguesa que é sinónimo de ‘maravilhoso’, que é ‘espantoso’”, contou Afonso Cruz. “Ele passou o tempo todo a dizer ‘espantoso’. ‘Espantoso’ para cá, ‘espantoso’ para lá. E que os meus livros eram espantosos.”

Gargalhadas na sala. Em espanhol, espantoso quer dizer horroroso, terrível. A língua portuguesa é muito traiçoeira.

A tenda onde Afonso Cruz falava lotou, com gente sentada no chão, à volta do palco, e uma plateia muito jovem. O cenário parecia o de um concerto. E era um concerto: Afonso Cruz – t-shirt preta, jeans com dobra, argola na orelha esquerda, anéis grossos – tinha um ukulele no colo e, nesse mesmo dia, tinha dado uma entrevista à revista musical Rolling Stone, edição colombiana.

“Estou um pouco nervoso porque não estou habituado a tocar sozinho. Tenho uma banda. Quando faço erros, não se ouve porque os outros estão afinados. A minha banda chama-se The Soaked Lamb, los corderos mojados.”

Tocou e cantou quatro temas, três em inglês, um em castelhano, nenhum em português, quase sempre apologético. Quando a plateia pediu mais, comentou: “Há masoquistas aqui.”

Perto do fim, alguém perguntou: “Como se sente mais à vontade? Como escritor ou como músico?” Resposta pronta: “Como escritor. Não tenho público.”

Antes de Bogotá, Afonso Cruz esteve na feira do livro de Budapeste, onde também tocou. A escrita é uma prática sedentária, mas ele não pára de acumular milhas. Da carretera de la muerte, na Bolívia, a estrada mais perigosa do mundo, estreita e abissal, ao deserto sírio. Escreve em aeroportos, no avião. Acaba de escrever o seu primeiro livro no iPad.

Quatro dos seus livros estão traduzidos na Colômbia, por três editoras diferentes. O Pintor Debaixo do Lava-Loiças – inspirado numa história verdadeira passada com os seus avós paternos, que durante a Segunda Guerra Mundial albergaram um pintor judeu checoslovaco na sua casa na Figueira da Foz – foi o livro mais vendido no pavilhão português em 2013, depois de Pessoa e Saramago.

“Tenho quatro livros editados no Brasil e seria expectável ter mais do que na Colômbia. Aliás, no Brasil, só agora vai sair o quarto”, diz ao PÚBLICO.

“Aqui conhecia-se Lobo Antunes, Saramago, Pessoa. Faltavam-nos coisas novas”, diz Pilar Gutiérrez, directora da colombiana Tragaluz, uma editora independente criada há dez anos. A Tragaluz editou dois livros de Afonso Cruz, incluindo El Pintor Debajo Del Lavaplatos, cuja primeira edição, de mil exemplares, já esgotou, e está em negociações para adquirir os direitos exclusivos de publicação do autor português na Colômbia.

Em 2013, quando Afonso Cruz esteve na FILBo pela primeira vez, “ninguém o conhecia e deixou todo o mundo encantado”, diz Pilar. “É um escritor com uma voz muito original. Tem boas críticas. Até ao momento não recebi nenhum comentário negativo de ninguém que o tenha lido.”

Aqui há literatura portuguesa
A Tragaluz tem uma colecção de literatura portuguesa, Lusitania, com cinco títulos, dois de Fernando Pessoa (Plural como o Universo e O Banqueiro Anarquista), Afonso Cruz, José Eduardo Agualusa e uma antologia de poetas suicidas portugueses. O Retorno, de Dulce Maria Cardoso, será o próximo livro da colecção, com lançamento previsto para Setembro. “As pessoas já sabem que aqui existe literatura portuguesa”, diz a directora da Tragaluz, junto ao stand de vendas da editora.

A colecção Lusitania é dirigida pelo colombiano Jeronimo Pizarro, especialista em Pessoa e titular da cátedra de Estudos Portugueses na Universidade de Los Andes, em Bogotá.

Em 2013 Pizarro foi também o comissário do Pavilhão de Portugal na FILBo, ano em que se venderam oito mil livros de autores portugueses. Nesta edição, privilegiou-se a venda de livros na língua original, importados de Portugal. Apesar de também disponibilizar livros traduzidos em espanhol, no stand de Portugal são os livros em português que têm mais visibilidade, ocupando o centro. Uma estratégia que provou ser certeira, porque são os que têm mais procura, diz Marco González, coordenador, em Bogotá, do Fondo de Cultura Económica, uma das maiores empresas editoriais da América Latina. O Fondo gere comercialmente o stand de Portugal na FILBo, bem como os do Brasil e Alemanha. Estes últimos só disponibilizaram livros traduzidos em espanhol, mas para o ano irão seguir o exemplo português de importar títulos na língua original, diz González.

“Na Colômbia há um interesse gigantesco pela literatura escrita em português”, diz Jerónimo Pizarro.

Porquê?

“Não percebo a pergunta. O problema está no outro lado. Por que ainda não repararam que há um interesse tão grande na vossa literatura? México e Colômbia são países onde Portugal podia ter uma presença fortíssima. Depois de vender 8000 livros [na FILBo 2013], Portugal devia ter criado exportações permanentes para a Colômbia. As livrarias colombianas deviam receber livros. Gostava que a exportação não fosse feita só porque há uma feira do livro mas porque há livrarias e há público.”

O PÚBLICO viajou a convite da agência Invest In Bogotá e da Embaixada de Portugal em Bogotá
 

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“Os portugueses não falam espanhol, mas pensam que falam”, explicou Afonso Cruz na Feira Internacional do Livro de Bogotá (FILBo), sábado à tarde. A propósito, o escritor tinha “una historia muy engraçada” para contar. Ele próprio duvidou da palavra e, como se estivesse a pensar em voz alta, virou-se para o seu interlocutor colombiano e perguntou: “Engraçada??”

Cómica”, responderam na sala.

Em 2013, quando Portugal foi o país-convidado na FILBo e Afonso Cruz foi um dos autores presentes, o escritor e ensaísta Miguel Real apresentou um livro de Cruz. “Há uma palavra portuguesa que é sinónimo de ‘maravilhoso’, que é ‘espantoso’”, contou Afonso Cruz. “Ele passou o tempo todo a dizer ‘espantoso’. ‘Espantoso’ para cá, ‘espantoso’ para lá. E que os meus livros eram espantosos.”

Gargalhadas na sala. Em espanhol, espantoso quer dizer horroroso, terrível. A língua portuguesa é muito traiçoeira.

A tenda onde Afonso Cruz falava lotou, com gente sentada no chão, à volta do palco, e uma plateia muito jovem. O cenário parecia o de um concerto. E era um concerto: Afonso Cruz – t-shirt preta, jeans com dobra, argola na orelha esquerda, anéis grossos – tinha um ukulele no colo e, nesse mesmo dia, tinha dado uma entrevista à revista musical Rolling Stone, edição colombiana.

“Estou um pouco nervoso porque não estou habituado a tocar sozinho. Tenho uma banda. Quando faço erros, não se ouve porque os outros estão afinados. A minha banda chama-se The Soaked Lamb, los corderos mojados.”

Tocou e cantou quatro temas, três em inglês, um em castelhano, nenhum em português, quase sempre apologético. Quando a plateia pediu mais, comentou: “Há masoquistas aqui.”

Perto do fim, alguém perguntou: “Como se sente mais à vontade? Como escritor ou como músico?” Resposta pronta: “Como escritor. Não tenho público.”

Antes de Bogotá, Afonso Cruz esteve na feira do livro de Budapeste, onde também tocou. A escrita é uma prática sedentária, mas ele não pára de acumular milhas. Da carretera de la muerte, na Bolívia, a estrada mais perigosa do mundo, estreita e abissal, ao deserto sírio. Escreve em aeroportos, no avião. Acaba de escrever o seu primeiro livro no iPad.

Quatro dos seus livros estão traduzidos na Colômbia, por três editoras diferentes. O Pintor Debaixo do Lava-Loiças – inspirado numa história verdadeira passada com os seus avós paternos, que durante a Segunda Guerra Mundial albergaram um pintor judeu checoslovaco na sua casa na Figueira da Foz – foi o livro mais vendido no pavilhão português em 2013, depois de Pessoa e Saramago.

“Tenho quatro livros editados no Brasil e seria expectável ter mais do que na Colômbia. Aliás, no Brasil, só agora vai sair o quarto”, diz ao PÚBLICO.

“Aqui conhecia-se Lobo Antunes, Saramago, Pessoa. Faltavam-nos coisas novas”, diz Pilar Gutiérrez, directora da colombiana Tragaluz, uma editora independente criada há dez anos. A Tragaluz editou dois livros de Afonso Cruz, incluindo El Pintor Debajo Del Lavaplatos, cuja primeira edição, de mil exemplares, já esgotou, e está em negociações para adquirir os direitos exclusivos de publicação do autor português na Colômbia.

Em 2013, quando Afonso Cruz esteve na FILBo pela primeira vez, “ninguém o conhecia e deixou todo o mundo encantado”, diz Pilar. “É um escritor com uma voz muito original. Tem boas críticas. Até ao momento não recebi nenhum comentário negativo de ninguém que o tenha lido.”

Aqui há literatura portuguesa
A Tragaluz tem uma colecção de literatura portuguesa, Lusitania, com cinco títulos, dois de Fernando Pessoa (Plural como o Universo e O Banqueiro Anarquista), Afonso Cruz, José Eduardo Agualusa e uma antologia de poetas suicidas portugueses. O Retorno, de Dulce Maria Cardoso, será o próximo livro da colecção, com lançamento previsto para Setembro. “As pessoas já sabem que aqui existe literatura portuguesa”, diz a directora da Tragaluz, junto ao stand de vendas da editora.

A colecção Lusitania é dirigida pelo colombiano Jeronimo Pizarro, especialista em Pessoa e titular da cátedra de Estudos Portugueses na Universidade de Los Andes, em Bogotá.

Em 2013 Pizarro foi também o comissário do Pavilhão de Portugal na FILBo, ano em que se venderam oito mil livros de autores portugueses. Nesta edição, privilegiou-se a venda de livros na língua original, importados de Portugal. Apesar de também disponibilizar livros traduzidos em espanhol, no stand de Portugal são os livros em português que têm mais visibilidade, ocupando o centro. Uma estratégia que provou ser certeira, porque são os que têm mais procura, diz Marco González, coordenador, em Bogotá, do Fondo de Cultura Económica, uma das maiores empresas editoriais da América Latina. O Fondo gere comercialmente o stand de Portugal na FILBo, bem como os do Brasil e Alemanha. Estes últimos só disponibilizaram livros traduzidos em espanhol, mas para o ano irão seguir o exemplo português de importar títulos na língua original, diz González.

“Na Colômbia há um interesse gigantesco pela literatura escrita em português”, diz Jerónimo Pizarro.

Porquê?

“Não percebo a pergunta. O problema está no outro lado. Por que ainda não repararam que há um interesse tão grande na vossa literatura? México e Colômbia são países onde Portugal podia ter uma presença fortíssima. Depois de vender 8000 livros [na FILBo 2013], Portugal devia ter criado exportações permanentes para a Colômbia. As livrarias colombianas deviam receber livros. Gostava que a exportação não fosse feita só porque há uma feira do livro mas porque há livrarias e há público.”

O PÚBLICO viajou a convite da agência Invest In Bogotá e da Embaixada de Portugal em Bogotá