Os heróis da Revolução
Só a ignorância, a mesquinhez e o desprezo pela História pode deixar-nos indiferentes ao percurso e importância de Salgueiro Maia.
Se não fosse Salgueiro Maia a liderar a missão de derrubar o regime com os soldados que comandava, com toda a determinação, coragem e convicção, provavelmente não teria havido 25 de Abril, ou pelo menos poderia não ter acontecido de forma tão pacífica. Fez tudo bem, desde que saiu da Escola Prática de Cavalaria em Santarém até receber a rendição do então Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, e da ditadura que representava.
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Se não fosse Salgueiro Maia a liderar a missão de derrubar o regime com os soldados que comandava, com toda a determinação, coragem e convicção, provavelmente não teria havido 25 de Abril, ou pelo menos poderia não ter acontecido de forma tão pacífica. Fez tudo bem, desde que saiu da Escola Prática de Cavalaria em Santarém até receber a rendição do então Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, e da ditadura que representava.
Agora que se celebrou mais um aniversário da Revolução, vale sempre a pena evocar os seus heróis, para que não fique a pairar nenhum sentimento de ingratidão para com aqueles que marcaram a História do país e que, não querendo nada para si e simbolizando melhor que ninguém os ideais de Abril, acabaram ostracizados, como refere um seu biógrafo António S. Duarte.
A lucidez e coragem que havia em Salgueiro Maia, faltou a muitos protagonistas políticos e militares das conjunturas no pós-25 de Abril, que culminou com o episódio infeliz e indigno da democracia de lhe ser recusada uma pensão pelo então Primeiro-Ministro Cavaco Silva. O mesmo Primeiro-Ministro que não teve problemas de consciência de atribuir, três anos depois, uma pensão a dois agentes da polícia política, um o último chefe da PIDE em Cabo Verde e o outro, um dos resistentes na sede da Rua António Maria Cardoso, que disparou sobre a multidão e causou os únicos mortos da Revolução.
Por uma questão de memória e de honestidade histórica, este é o tipo de casos que não devem ser esquecidos. Tal como não devem deixar de ser referidos aqueles que procuraram reparar a injustiça, como aconteceu com o então Presidente da República, Mário Soares, que a título póstumo condecorou Salgueiro Maia com a Ordem Militar de Torre e Espada, precisamente a única que dava direito à atribuição de uma pensão. Porém, o mal estava feito, porque em vida, o Capitão de Abril não teve o reconhecimento que lhe era devido por quem de direito. Seria sempre um reconhecimento com o valor da liberdade e da democracia.
No dia 25 de Abril, tive o privilégio de participar, no Luxemburgo, numa sentida homenagem a Salgueiro Maia, com a presença da sua filha Catarina, hoje com 29 anos e emigrada pela segunda vez naquele país desde o início deste ano. Afastado daquilo que eram as suas pretensões simples em termos militares, desiludido e a sofrer com a incompreensão, foi marginalizado até à sua morte demasiado precoce, quatro anos depois de lhe ter sido negado o pedido da pensão “’por serviços excepcionais ou relevantes prestados ao país”. Como se fazer uma revolução bem-sucedida e quase sem derramamento de sangue não fosse um serviço verdadeiramente excepcional e relevante prestado ao país…
Só a ignorância, a mesquinhez e o desprezo pela História pode deixar-nos indiferentes ao percurso e importância de Salgueiro Maia. Os Homens não são todos iguais perante a História. Aqueles que deram a vida por ideais, que foram grandes exemplos morais e defenderam as causas do bem comum precisam do reconhecimento colectivo. Se não o fizermos e agirmos em consequência, então também os valores morais e os princípios éticos deixam de ter valor e aí a nossa vida em sociedade transforma-se numa selva. Os factos da memória ajudam-nos sempre a criar um futuro mais justo, lúcido e nobre. Daí a evocação do Capitão Salgueiro Maia.
Deputado do PS