As cenas da TAP
Já estamos fartos do assunto e dos penduras patrióticos que nos querem meter a mão na algibeira.
É por isso, e só por isso, que a “privatização” provoca sempre uma certa exaltação nacionalista, muito próxima da idiotia. A conversa sobre o “valor estratégico” da TAP assenta na fantástica premissa de que Portugal é uma potência com um papel no mundo; e a “lusofonia” em interesses de algumas empresas sem um mercado decente, na emigração para África de alguns portugueses e numa língua, alegadamente comum, que se vai degradando a cada tentativa para a tornar oficial (como sucedeu com o acordo ortográfico).
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É por isso, e só por isso, que a “privatização” provoca sempre uma certa exaltação nacionalista, muito próxima da idiotia. A conversa sobre o “valor estratégico” da TAP assenta na fantástica premissa de que Portugal é uma potência com um papel no mundo; e a “lusofonia” em interesses de algumas empresas sem um mercado decente, na emigração para África de alguns portugueses e numa língua, alegadamente comum, que se vai degradando a cada tentativa para a tornar oficial (como sucedeu com o acordo ortográfico).
O turismo em constante crescimento ajudou a manter a companhia durante as parcas décadas da II República (ou III, se quiserem), mas não chega para a manter contra a concorrência do low cost e dos grandes conglomerados que cobrem o mundo. Não chegou na Suíça, não chegou em Itália, não chegou em Espanha e por aí fora. Mas, desgraçadamente, este simples facto não entrou na cabeça dos governantes, nem na da gentinha que se exalta com as “vitórias” do futebol ou do sr. João Santos que ganhou o campeonato da Europa de caligrafia. Para esses representantes do amolecimento cerebral da Pátria, a TAP é um bocadinho de Portugal no estrangeiro e, não se percebe porquê, uma ajuda para extorquir dinheiro ao Brasil, a Angola ou até a Moçambique. Com um balcão da TAP e uma hospedeira portuguesa, a saloiice indígena rejubila.
Foi neste ambiente que os srs. pilotos resolveram exigir o que em circunstâncias de tranquilidade e realismo nunca ocorreria àquelas duríssimas cabeças: 20 por cento do capital da companhia e o pagamento das “diuturnidades” que em princípio lhes deviam. Não interessa discutir aqui os méritos da reivindicação dos pilotos, nem as formidáveis perdas que uma greve de 10 dias nesta altura do ano irá trazer à TAP e à economia do país. Claro que os pilotos levarão a companhia à ruína e à sua venda por um preço vil. Mas se é esse o sacrifício que temos de fazer para curar a megalomania doméstica (pelo menos, neste capítulo), o sacrifício vale a pena. Também saímos de África e não ficámos pior. As cenas da TAP ou por causa da TAP acabam por nos prejudicar muito mais do que depender de um serviço estrangeiro organizado e fiável. E os srs. pilotos que depois tratem de si como puderem. Nós já estamos fartos do assunto e dos penduras patrióticos que nos querem meter a mão na algibeira.