Cascais na encruzilhada: salvar o património natural e a água ou a destruição
A Sociedade Civil tem novamente à sua mão todos os instrumentos legais para inflectir radicalmente o processo camarário em curso.
O presente grito de alerta aos munícipes cascalenses já não se confina: às permanentes limitações arbitrárias do executivo camarário à sua mobilidade, pedestre ou automobilizada, nomeadamente durante “festas pimba”, com barracas de feira em espaços públicos, com violação das mais elementares normas dos níveis de ruído admissíveis em fins-de-semana e, por último, como aconteceu no Verão passado nas últimas Festas do Mar, pondo em risco a segurança de milhares de pessoas, junto à praia dos Pescadores, actividades que mais se assemelham ao “panem et circenses” romano!
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O presente grito de alerta aos munícipes cascalenses já não se confina: às permanentes limitações arbitrárias do executivo camarário à sua mobilidade, pedestre ou automobilizada, nomeadamente durante “festas pimba”, com barracas de feira em espaços públicos, com violação das mais elementares normas dos níveis de ruído admissíveis em fins-de-semana e, por último, como aconteceu no Verão passado nas últimas Festas do Mar, pondo em risco a segurança de milhares de pessoas, junto à praia dos Pescadores, actividades que mais se assemelham ao “panem et circenses” romano!
Agora, o alerta é bem sério: trata-se de travar, mais uma vez, a veleidade de executar uma rede viária estruturante justificada por uma alegada acessibilidade e mobilidade dos “seus aborígenes”!
Trata-se, de um projecto inicialmente desenvolvido pelo Gabinete de Estudos Urbanos da CMC, em 28/12/2004, à data designado por Projecto de Execução da Estrada Saloia que visava retomar a ligação proveniente e com destino à A5, à zona mais ocidental do Município, isto é, à Areia, e que “fará” a ligação Areia/S. Gabriel (no actual termo da A5).
Tal projecto que fora aprovado 17.09.2007, esteve a “marinar” pouco mais de sete anos e subitamente renasce “das cinzas” com Carlos Carreiras, em circunstâncias deveras bem esclarecedoras, como irá fazer-se luz!
É oportuno, aqui fazer o enfoque que tal empreendimento tivera historicamente as suas raízes, quando há quinze anos no Consulado de Judas, a sociedade civil: “O Movimento Cívico para a Defesa do Parque Natural de Sintra-Cascais”, integrando múltiplos cidadãos em nome individual e Associações de Defesa do Ambiente, entre elas a Quercus e o Geota, reagiram energicamente contra tal empreendimento, na altura designado: por “Fixação do Traçado do Prolongamento da A5 (IC-5) até à Areia e nessa conformidade, veio a caber ao autor deste artigo, como advogado, de promover a sua anulação, mediante acção pública a ser exercida pelo Ministério Público, enquanto representante do Estado colectividade, queixa essa fundamentada na violação de várias normas (entre elas):o Regime Jurídico dos Planos Municipais de Ordenamento do Território (art.º 5.º n.º 1 do então DL 69/90) e do Direito de Participação Procedimental e de Acção Popular (art.º 4.º n.º 1 e 3 da Lei 83/95, de 31/08).
Estava em causa nomeadamente: a descaracterização de um Espaço Agrícola Nível 4,com a sua substituição por categoria de Espaço Urbanizável de Baixa Densidade, ameaça séria que passaria sobre o último espaço verde na periferia sul do Parque Natural de Sintra-Cascais, com a desfiguração cénica “do continuum naturale” e a perda irreparável nas envolventes periféricas rural e urbana tradicionais dos mesmos lugares e povoações.
Depois de uma longa batalha jurídica, o Supremo Tribunal Administrativo por acórdão de 17.05.2007 viria a pôr termo definitivo à causa dando razão aos queixosos por infracção à Lei 83/95, de 31/08.
Não foi a despropósito, que então foram tecidos grandes encómios às virtudes peregrinas desse prolongamento da A5, visto estar na altura na forja um amplo plano de urbanização à pala deste, a então designada “Cidade do Cinema” que iria urbanizar e assim impermeabilizar uma área de muitos milhares de m2.
Ora os tempos mudaram, mas não tanto visto que os “políticos” (?) ainda não aprenderam, que não devem nem podem iludir a sociedade civil que então, há quinze anos, tanto pugnou pelo reconhecimento do direito de cidadania inscrevendo o seu feito: como o 1.º Movimento que reuniu pela 1.ª vez em Portugal as assinaturas necessárias para apresentar uma Petição Pública na Assembleia da República, cuja apresentação teve lugar em Julho de 2000.
Estava em causa, nessa altura, não só a urbanização da Cidade do Cinema bem como outras violações ao Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra – Cascais, nomeadamente, com os projectos urbanísticos do Abano, Prontohotel, um campo de golfe, etc…
Hoje os políticos que dirigem (?) a autarquia de Cascais, continuam a insistir que estão a governar “aborígenes” que não sabem patavina dos seus direitos, continuando a privilegiar o capital financeiro, com mega projectos de urbanização esquecendo que há quinze anos, os mesmos cidadãos aborígenes trataram bem da “res publica”, os quais estão hoje unidos para ir novamente para a luta, pugnando pelo primado da Defesa dos Valores Ambientais e do Desenvolvimento Sustentável, no último mosaico de estrutura verde primária, na área entre a Estrada de Birre/Guincho e o Parque Natural de Sintra – Cascais que é indispensável à salvaguarda de novas pressões sobre este património.
O que acontece agora é que sob a justificação da Revisão do PDM de 1997, cujo prazo de Discussão Pública terminou no passado dia 26 de Março, pretende-se alterar a classificação que outrora integrava para além das parcelas de REN, como Zona de Protecção e Enquadramento, Espaço Agrícola (RAN) e Espaço Cultural e Natural, a mesma passando automaticamente agora a ser integrada na SUB-UOPG .6.1, abrangendo várias classificações de espaço, onde as zonas que mais área ocupam situam-se: numa área a Sul (classificada como Espaço Estratégico Proposto e uma área a Norte (classificada como Espaço Natural Nível 2).
Resultam, assim, dos respectivos parâmetros de edificabilidade valores muito elevados, não obstante a existência de uma aparente redução à regra geral de Espaço Estratégico, porquanto pelas razões supra aduzidas, abrangem “in situ” locais de grande sensibilidade,
Por outro, é de recear que na mesma SUB-UOPG a área total possa ser contabilizada para efeitos de aplicação de índice, abrindo o flanco a um aumento descomunal da área de construção, especialmente, na parte classificada como Espaço Estratégico Proposto ultrapassando-se o ratio permitido, o que poderá vir a ser aplicado a outros espaços na SUB-UOPG, fora do Espaço Natural.
Em síntese: o Regulamento do PDM (ora reformulado) preconizando que a respectiva zona representa uma “Unidade territorial de grande sensibilidade e ecológica em face da sua localização fronteiriça com a área do UOPG 1, na zona de transição solo urbano/solo rural”, acaba por entrar em manifesta contradição em termos do respectivo uso que se propõe conceder ao local, quando se prevê a “implantação de uma unidade de serviços de referência” (?), independentemente, dos parâmetros de edificabilidade…
Importa sublinhar que apenas a inclusão expressa no PDM que a zona inserida no UOPG.6.1 como Espaço Estratégico Proposto passe a integrar Espaço Natural Nível 2, pode garantir a manutenção das características locais de zona compatível com os respectivos usos, que deve permanecer vocacionalmente como natural.
Em suma: todas estas cosméticas visuais em “bicos de pé” no articulado do PDM em sede de revisão, mais uma vez, acompanhadas com a proposta de nova via, que prolonga para poente o traçado da A5 (C-5), repetem o “dejá vù”, há quinze anos!
À espreita, desta oportunidade os “herdeiros de A. Santo”, aguardam agora placidamente pela queda dos figos, após maturação forçada pela alteração do PDM de maduro, isto é: a Norfin – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário S.A:, que intervém na qualidade de gestora do Fundo Lusofundo – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, constituído em Portugal, procurando tirar partido do el dorado que se abrirá em associação com o Município de Cascais após a Revisão do PDM, com a “lotaria.” de um projecto de área bruta de construção de 220.000m2, (composto de edifícios de habitação/blocos de apartamentos, escritórios, zona de comércio, de equipamentos desportivos e criando assim um novo centro urbano).
O interessante, é que se inicialmente na reunião da C. M. de Cascais de 8 de Janeiro de 2014 havia sido aprovada uma Minuta de Memorando de Entendimento a celebrar entre o Município de Cascais, a Norfin e a Aga Khan Foundation (AKF) Portugal, em que esta última num espaço compreendido no triângulo formado pela Aldeia de Juzo, Birre e Areia, pretendia instalar em Birre uma AKA (Academia) e possivelmente uma AKU (Universidade) como possui em África e na Índia, então nesse mesmo Memorando tal execução de projecto abrangeria uma área inicial entre 50.000 ou até 60.000m2 e posteriormente de um acrescento de mais 120.000m2 (para ulteriores instalações de apoio logístico).
Ora, tal decisão a tomar pela AKF aguarda hoje prudentemente que o Município de Cascais previna legalmente a viabilidade de tal projecto em sede de aprovação da Revisão do PDM de 1997, de modo a não criar “anti-corpos” na colectividade local, o que é de bom senso e de avisada sabedoria: segundo o aforismo, “em Roma sê romano”.
Se, a priori, não seja de objectar a instalação de uma Academia “ in situ”, com uma dimensão de ocupação aceitável, nomeadamente, entre 40 e 60.000m2, outro tanto, é injustificável como moeda de troca, com a implantação no mesmo triângulo de um novo centro urbano, com blocos de apartamentos, escritórios, serviços etc… a implantar num Espaço Natural, por parte do Lusofundo ou de qualquer outro Fundo Imobiliário, em consórcio ou não, com o Município de Cascais ou com terceiros.
A Câmara Municipal de Cascais não pode ignorar a oposição frontal e unânime de várias ONG’s, contra tal proposta de Revisão do PDM – apresentadas em sede de Discussão Pública e, em primeiro lugar, pela - Associação de Moradores da Areia (AMA).
Por fim: deverão desfiar-se as consequências graves que advirão não só para o centro urbano de Cascais, zonas adjacentes da Ribeira das Vinhas e Ribeira dos Mochos a montante como a jusante destes cursos de água (já artificializados grosseiramente junto à foz em Cascais), de que o título deste artigo é elucidativo.
Não só o Parecer sobre o Estudo Prévio de Impacte Ambiental elaborado pelo Senhor Professor Eng.º Eugénio de Menezes Sequeira, datado de 2000 (junto à Queixa apresentada nos Serviços do Ministério Público) aquando do prolongamento da A5 se mantém válido nas premissas em que assentou, como também mais se agravou o quadro existente, em consequência das alterações climáticas que têm vindo a aumentar em crescendo constante nos últimos 15 anos:
Assim, há a trazer à colação os subsequentes agravamentos, de consequências imprevisíveis:
a) A então Zona de Protecção e Enquadramento fora do Parque, permitia então a criação de estruturas verdes, “além de funções hidrológicas de elevada importância, salvaguardando o Parque Natural de maiores pressões”, independentemente da sua capacidade elevada de multiplicar actividades lúdicas, nomeadamente passeios pedestres e equestres, circuitos botânicos e vários desportos com a preservação dos “habitats”, de importância única e reconhecida, onde proliferam plantas com interesse reconhecido, quer no habitat 6210 da Directiva 92/43 CEE;
b) Donde a sua não inclusão no Parque Natural de Sintra – Cascais e ou a sua não salvaguarda (destruição) na actual proposta de Revisão do PDM viola a Directiva 92/43 CEE do Conselho de 21 de Maio de 1992, relativa à não preservação dos habitats naturais e da fauna e a Lei n.º 140/99, de 24 de Abril, não cumprindo por via disso as indicações da Rede Natura 2000, enquanto contribuição para o Emerald network of Areas of Special Conservation Interest, entre outros diplomas de relevante importância;
c) A impermeabilização massiva em área tão sensível, por sua vez de solo, destruindo a REN (Rede Ecológica Nacional) viola a Directiva Quadro da Água (Directiva 2000/60/CEE) do Parlamento Europeu e do Conselho de, 23 de Outubro relativa à água, para protecção não só das águas de superfície interiores como também, nomeadamente, as águas subterrâneas, que foi transposta para o direito nacional através da Lei 58/2005, de 29 de Dezembro;
d) Também não respeita a Directiva 2006/118 CEE, de 12 de Dezembro, transposta para o direito nacional pelo DL 208/2008, de 28 de Outubro, sendo que a ser alterado o uso de tais solos, como urbanizáveis, ainda que programados, implica que a jusante poente da Ribeira das Vinhas desapareça a água dos lençóis freáticos que são abastecidos pelas infiltrações das zonas cársicas e de escoamento das águas de Batólito eruptivo de Sintra – inviabilizando a captação de água mediante furos para rega ou utilização não potável.
Em consequência de tal ocorrência, baixando o nível piezométrico do aquífero, correr-se-á o risco de se agravar a intrusão salina;
e) The Last But Not The Least:
O risco de cheias (graves) poderá ocorrer em consequência da impermeabilização a nascente e a montante da Ribeira dos Mochos, em Cascais, sendo a única zona de bacia que não está construída e que escoa na praia de Santa Marta, ou se infiltra na zona cársica que abastece o freático.
A ser levada a cabo a proposta de alteração do PDM de 1997 conforme apresentada pela Câmara Municipal de Cascais, em sede de Revisão, corre-se o risco de aumento do pico de cheia, desde zonas que vão desde Birre, até ao Parque da Ribeira dos Mochos, e em especial a montante da Av. 25 de Abril, no mesmo Parque, no Bairro do Rosário, até ao Campo Hípico e Parque da Gandarinha, o que é cientificamente previsível, a que acresce a impermeabilização decorrente de outras impermeabilizações acessórias, nomeadamente, das infraestruturas viárias, não esquecendo, portanto, a grande mole de impermeabilização de construção bruta muito superior a 146.000m2 (para já cerca de 220.000m2 com as infraestruturas).
Concluindo: tal violação da Directiva da Avaliação e Gestão do Risco de Inundações (2007/60/CE, de 23 de Outubro) transposta para o direito nacional pelo DL 115/2010, de 22 de Outubro, em consequência directa e causal de tal Revisão do PDM, pode vir a pôr em causa, para além de vários malefícios, inclusive, em perigo a segurança da população com consequências “in extremis” graves, que caso infelizmente venham a ocorrer são susceptíveis de criminalizar em abstrato os responsáveis autárquicos pela prática dos seguintes crimes: Dos crimes de perigo comum, Danos contra a natureza e Violação de regras urbanísticas, previstos respectivamente nos artigos 272º,278ºe 278-A, todos do Código Penal.
Não deve deixar-se aqui ainda de sublinhar: não só a prestimosa fonte como também a proficiente descritiva supra elencada nas alíneas a) a e), que resultam do valioso contributo do balanço/diagnóstico apresentado pelo mesmo investigador Eugénio Sequeira na crítica por este efectuada à Revisão do PDM e que consta dos documentos escritos apresentadas pela população durante o período de Discussão Pública, o que dá voz autorizada ao título do artigo que foi escolhido em parceria: Cascais na Encruzilhada de Salvar o Património Natural e a Água ou a Destruição.
A Sociedade Civil tem novamente à sua mão todos os instrumentos legais para inflectir radicalmente o processo camarário em curso, como o fez há quinze anos no Consulado Judas, repetindo-o agora no Consulado Carreiras, em 2015, deitando-se mão não só à Acção Popular como ainda a muitos outros institutos jurídicos, nomeadamente: em sede da realização de um Referendo de Âmbito Local, ao abrigo da Lei Orgânica nº 4/2000, de 24 de Agosto.
Para terminar, não deixa aqui de se verberar: não só o preconceito ideológico Neoliberal como também a total e manifesta inabilidade e incompetência de que estão animados actualmente os autarcas responsáveis pelo destino do Município de Cascais, avessos a qualquer respeito pela dimensão mínima de ambiente, numa acepção antropocentrista integrada, como o conjunto dos componentes ambientais humanos.
Advogado e Membro Fundador do Movimento Cívico para a Defesa do Parque Natural de Sintra Cascais (MCPDPNSC)