Erasmus: não me vi assim tão grega
Bruna Cunha escreve sobre a sua experiência de Erasmus na Grécia, no âmbito da Semana Europeia da Juventude
Parti, há mais de um ano, para a maior aventura que uma miúda poderia ter aos 19 anos. Há um ano peguei em toda a coragem que tinha e apresentei-a ao meu entusiasmo; tentei deixar em Portugal qualquer tipo de medo e dúvidas, mas...
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Parti, há mais de um ano, para a maior aventura que uma miúda poderia ter aos 19 anos. Há um ano peguei em toda a coragem que tinha e apresentei-a ao meu entusiasmo; tentei deixar em Portugal qualquer tipo de medo e dúvidas, mas...
Mas — e o papel do “mas” é tão incrível — o bom supera sempre o mau, independentemente da sua medida. Por exemplo, escolher um país como casa é difícil. Ser de cá é fácil, mas decidir ficar é ainda mais, pois a zona de conforto é o melhor sofá de sempre e está sempre a chover lá fora.
No entanto, acaba sempre por chegar o dia que não queres saber se tens guarda-chuva e até sais de chinelos; és capaz de ficar estático debaixo da chuva enquanto os outros te dizem para voltares para o sofá. Porra, por que é que ela está ali? E começa a rir-se. E aponta para o céu. Ainda chega a agradecer a chuva.
Ir para a Grécia foi isso: senti a chuva tantas vezes — quando pensei que teria de voltar para Portugal mais cedo, quando pensei que iria ter de repetir as cadeiras e ficar retida no segundo ano, quando as manifestações eram assustadoras, quando havia fogo na rua, quando, quando quando… — e saber que no dia a seguir ia estar sol. E esse sol aqueceu-me muito mais, passando tantas vezes de metafórico a real, que era o verdadeiro paraíso na terra. Vi o pior e, assim, reconheci o melhor.
Vi a pobreza e percebi a sorte. Vi manifestações e a forma absurda como são controladas pela polícia e abafadas pelos media e percebi a hipocrisia. Vi como é viver desanimado e sem esperança e percebi como é estar morto por dentro. Assimilei e tornei-me, segundo a lógica disto, mais adulta.
Conheci as pessoas mais humildes e as ilhas com o mar mais azul. Fugi de alforrecas e de polícias. Nunca besuntei pão em tanto azeite e tive a minha dose de azeitonas. O queijo é o verdadeiro mel e o pepino engana a quantidade de pão ingerida.
Ah! O pôr-do-sol de Atenas é muito especial: garanto que é desenhado pelos deuses todos os dias com aguarelas de amarelo torrado e um laranja que nunca consegui ver antes; não é uma questão de “o meu é melhor que o teu” — lá o sol vai-se embora e impõe o romantismo. É mil coisas.
A minha mãe, com medo de ouvir as minhas histórias, agradece a minha transformação na cozinha: passei da massa para o arroz de tomate; de não perceber mapas para perceber o mínimo dos mapas.
Aprendi a viver com os outros mesmo que isso implique viver com loiça suja e sem os cogumelos que tinhas programado comer naquela noite. Acima de quase tudo, aprendi o que é o respeito e percebi que a minha luz depende muito da luz dos outros, até porque precisamos de ver essas lâmpadas todas para sermos e estarmos em pleno.
Consegui ver que a barreira da linguagem nos conseguia unir nas fragilidades que todos sentíamos. Vi a coragem de professores que queriam que os alunos visitantes tivessem a melhor experiência possível e eles viram a cara do desespero frente a frente com a nossa.
Em Atenas, tudo o que é preto no branco é possível — bom ou mau. Ou falas muito alto ou não falas. Ou protestas a sério ou ficas. Ou besuntas o pão ou não. Ou fumas dois maços por dias ou não fumas de todo. E é no meio destes extremos que os de fora aprenderam a viver em Atenas; algures a meio senti o conforto e voltei ao meu sofá imaginário — era mesmo confortável mas eu conseguia sempre sair de casa. E aí está o que aprendi.