Bloco pede demissão do presidente do Instituto do Sangue
Partido quer saber se Governo “mantém confiança política” em Hélder Trindade, depois de este ter declarado na Assembleia da República que só admite dadores de sangue gay que sejam abstinentes.
Através de uma pergunta escrita ao Governo, o Bloco quer também saber se o executivo “subscreve as afirmações de Hélder Trindade, segundo as quais um homem ter relações sexuais com outro homem é um comportamento de risco, mesmo que essa relação seja protegida” e “como justifica o Governo” que uma resolução da Assembleia da República de 2010 “não esteja a ser cumprida”.
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Através de uma pergunta escrita ao Governo, o Bloco quer também saber se o executivo “subscreve as afirmações de Hélder Trindade, segundo as quais um homem ter relações sexuais com outro homem é um comportamento de risco, mesmo que essa relação seja protegida” e “como justifica o Governo” que uma resolução da Assembleia da República de 2010 “não esteja a ser cumprida”.
Ouvido durante uma hora e meia na Comissão de Saúde da Assembleia da República, Hélder Trindade defendeu esta quarta-feira que homo e bissexuais sexualmente activos devem ser continuar a ser excluídos da dádiva de sangue.
“Se o dador admite que é homossexual mas não admite que teve práticas sexuais com homens, pode dar sangue”, afirmou o presidente do conselho directivo do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST).
À saída, questionado pelos jornalistas sobre se as pessoas heterossexuais que praticam sexo anal também só são aceites se não fizerem sexo, o mesmo responsável declarou: “Tenho um critério para o heterossexual e outro diferente para o homossexual que tem coito anal porque na população homossexual existe uma prevalência elevadíssima de VIH.”
A audição de Hélder Trindade foi pedida pelo Bloco na semana passada, na sequência da notícia do PÚBLICO de 27 de Março, segundo a qual o grupo de trabalho criado pelo IPST para estudar a dádiva de sangue por homo e bissexuais está há mais de dois anos para apresentar conclusões, desconhecendo-se os nomes dos peritos que o compõem. O Grupo de Trabalho sobre Comportamentos de Risco com Impacto na Segurança do Sangue e na Gestão de Dadores deveria ter apresentado um relatório até Junho de 2013.
O BE quis saber porque é que o IPST, organismo tutelado pelo Ministério da Saúde e responsável pela coordenação nacional da colheita de sangue, não emitiu até hoje um “documento normativo que proíba expressamente a discriminação dos dadores de sangue com base na sua orientação sexual”, como ficou estabelecido numa resolução da Assembleia da República (39/2010, de 8 de Abril).
Hélder Trindade, que se fez acompanhar pela vogal da direcção do IPST Gracinda de Sousa e pelo assessor de imprensa Diamatino Cabanas, estava preparado para a pergunta sobre a identidade dos peritos. Revelou prontamente os nomes: Ana Paula Sousa (IPST), Ricardo Camacho (virologista), Lucília Nunes (vice-presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que substituiu Cíntia Águas), Fernando Araújo (director do Serviço de Imunohemoterapia do Centro Hospitalar de São João), António Diniz (director do Programa Nacional para a Infecção VIH/Sida), Nuno Janeiro (infecciologista) e Isabel Elias (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género).
“Tivemos o cuidado de não pôr apenas pessoas com cariz técnico, pusemos pessoas da área da ética e da área social”, explicou o presidente do IPST, sustentando que o atraso na apresentação de conclusões se deve, fundamentalmente, a uma resolução do conselho de ministro do Conselho da Europa, de Março de 2013, que “veio dizer que o Estado-membro tem que fazer estudos e dizer qual é o risco e porque é que vai alterar [os critérios]”.
Sobre um novo prazo para apresentação de conclusões do grupo de trabalho, o responsável pelo IPST não se quis comprometer perante os deputados, mas aos jornalistas afirmou que tal acontecerá “ainda este ano”.
A pergunta “sendo homem, teve contactos sexuais com homens?”, cuja existência nos inquéritos escritos de triagem de dadores levou à aprovação da resolução de 2010, é “obrigatória oralmente”, disse Hélder Trindade aos jornalistas, já depois da audição – porque os contactos sexuais de homens com homens são um “factor de exclusão do dador”.
A declaração contradiz o que, minutos antes, havia sido dito pelo mesmo responsável perante os deputados: “Aquilo que questionamos [nos inquéritos de triagem] é o comportamento de risco, homo ou heterossexual, questionamos os dois.” Contradiz, igualmente, o que Gracinda de Sousa declarou ao PÚBLICO há algumas semanas: que a pergunta é feita por apenas “algumas pessoas” dos serviços de sangue.
O presidente do IPST deixou ainda uma crítica velada à Direcção Geral da Saúde (DGS) ao afirmar que “há hospitais que não aplicam o questionário-padrão como deve ser” e que “cabe à DGS inspeccionar os serviços”.
O deputado do BE José Soeiro, que assinou, juntamente com a deputada Helena Pinto, o requerimento para a audição de Hélder Trindade, não se mostrou convencido com as explicações. “A Assembleia da República não está a ser respeitada numa decisão que tomou”, disse o deputado, acusando Hélder Trindade de fazer “um jogo de palavras” entre comportamentos de risco e grupos de risco.
Teresa Caeiro, do CDS, afirmou que o partido “condena todas e quaisquer práticas discriminatórias” e depois das explicações de Hélder Trindade elogiou a “segurança e frontalidade” daquele responsável. A deputada do PSD Conceição Caldeira citou, apoiando, a declaração que o activista Luís Mendão prestou ao PÚBLICO a 27 de Março: “Dar sangue não é um direito, quem recebe o sangue é que tem direito a sangue seguro.”
A audição decorreu no mesmo dia em que o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que a “a exclusão permanente de homossexuais da dádiva de sangue em França, em função do risco associado à sida, pode justificar-se, mas sob condições limitadas”, noticiou a AFP. A decisão refere-se à queixa apresentada por um cidadão francês contra o Ministério da Saúde de França e o Instituto Francês do Sangue, que excluíram Geoffrey Léger de dar sangue por este ter tido uma relação sexual com um homem.
De acordo com o tribunal, a suspensão definitiva de homo e bissexuais sexualmente activos, prevista numa directiva da Comissão Europeia de 2004, pode ser adoptada por um estado-membro “quando se demonstre, com base nos conhecimentos e em dados médicos, científicos e epidemiológicos actuais, que tal comportamento sexual expõe essas pessoas a um risco elevado de contrair doenças infecciosas graves que podem ser transmitidas pelo sangue”.