Hospital decidiu se criança grávida aborta ou não, mas não divulga decisão
Especialistas do Hospital de Santa Maria avaliaram caso de menina de 12 anos grávida do padastro. Mãe foi constituída arguida por não ter denunciado abusos sexuais.
A decisão foi tomada pela “direcção clínica da instituição e por pediatras, pedopsiquiatras, obstetras, psicóloga e assistentes sociais” que analisaram em conjunto “o contexto inerente à criança”, explicou, em nota de imprensa, a directora clínica do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (em que o Santa Maria está integrado), Margarida Lucas.
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A decisão foi tomada pela “direcção clínica da instituição e por pediatras, pedopsiquiatras, obstetras, psicóloga e assistentes sociais” que analisaram em conjunto “o contexto inerente à criança”, explicou, em nota de imprensa, a directora clínica do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (em que o Santa Maria está integrado), Margarida Lucas.
Esta equipa levou em conta “os aspectos clínicos, éticos, jurídicos e sociais que decorrem da situação em causa” e tomou uma decisão “considerando o superior interesse da criança”, assegurou. O CHLN escusa-se a prestar esclarecimentos adicionais, alegando o “respeito pela confidencialidade médica" e a protecção da privacidade da criança”. A menina foi levada para o hospital por funcionários da escola que frequenta quando estes perceberam que estaria grávida.
Este é um caso fora do comum porque, além da idade da menina (completou recentemente 12 anos), ela está grávida de mais de 20 semanas, o que significa que ultrapassou o prazo previsto na lei portuguesa para poder abortar por ter sido vítima de violação.
De acordo com o Código Penal, uma gravidez resultante de violação pode ser interrompida até às 16 semanas, mas admite-se o aborto até às 24 semanas se existirem razões para crer que o nascituro sofrerá de grave e incurável doença e não se estabelece qualquer prazo se estiver em causa a grave e irreversível lesão física ou psíquica da mulher. A legislação não estabelece qualquer distinção entre menores e adultas.
Se há especialistas que consideram que não é possível interromper a gravidez no caso desta criança, por estar ultrapassado o limite das 16 semanas, há outros que defendem que se poderá invocar a primeira alínea do artigo 142 do Código Penal (despenalização da interrupção voluntária de gravidez). Esta não especifica qualquer prazo quando está em causa um risco grave e irreversível para a saúde física ou psíquica da mulher.
A menina tem uma história de vida atribulada, tendo sido retirada à família quando tinha cerca três anos e passado um ano e meio numa instituição. Acabou por regressar a casa, onde, com cerca de seis anos terá sido já abusada sexualmente pela primeira vez pelo padrasto. Na altura, a polícia chegou a investigar a situação, mas o caso foi arquivado porque ela negou. As primeiras relações sexuais com penetração terão começado aos dez anos e continuaram sem que ela dissesse nada a ninguém.
Em comunicado, a PJ adiantou na segunda-feira que foi a Directoria de Lisboa e Vale do Tejo que deteve o padrasto da menina, de 43 anos, e sublinhou que ele está “fortemente indiciado” pela prática de crimes de abuso sexual de crianças. “A investigação apurou que os abusos já decorriam desde há dois anos, sendo que dos mesmos resultou a actual gravidez da vítima”, revelou ainda a PJ. O suspeito tem “antecedentes por crimes de idêntica natureza e cometeu os factos na residência que partilhava com a vítima e a mãe desta”, acrescentou.
Entretanto, a mãe da menor foi constituída arguida com termo de identidade e residência por alegada conivência com os abusos sexuais perpetrados pelo companheiro ao longo de dois anos, adiantou esta quarta-feira o "Diário de Notícias". Caso se prove que sabia dos abusos sexuais e que permaneceu calada, arrisca-se a ser condenada. Ainda assim, ignora-se se o poder de representação parental lhe foi retirado, em parte ou não totalidade. Caso continue a ser a representante legal da menina, terá a última palavra face ao parecer dos especialistas do Hospital de Santa Maria. De acordo com o Código Penal, no caso da interrupção voluntária de gravidez não punível em menores de 16 anos, o consentimento deve ser dado por um representante legal.