Porque nós somos a geração à rasca

Os mais velhos, os nossos pais, não se ficaram apenas pela vulgaridade de nos chamar um nome. Não. Classificaram-nos. Catalogaram-nos. Denominaram-nos: "Geração rasca"

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Francisco Osorio / Flickr

Não nos lembramos do teu nome. Ainda bem. Dos fracos não reza a história. Ou então é apenas a nossa memória, selectiva, a querer resguardar-nos de quem, realmente, não interessa. Basta-nos o tema, muito obrigado. Porque nós somos a geração rasca.

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Não nos lembramos do teu nome. Ainda bem. Dos fracos não reza a história. Ou então é apenas a nossa memória, selectiva, a querer resguardar-nos de quem, realmente, não interessa. Basta-nos o tema, muito obrigado. Porque nós somos a geração rasca.

Ou assim nos epitetaram quando, em Mil Novecentos e Noventa e Quatro, os mais velhos, os nossos pais, os que já lá estavam em lugares de topo, bem remunerados e bem presenteados, com carro, com "chauffeur", com regalias e tudo, sentiram na nossa geração uma ameaça ao modo de vida por si reclamado à custa da nossa fome, da nossa precariedade, da nossa esperança e do nosso futuro.

O erro foi crasso. Não só por o conflito geracional ser tão velho como a humanidade em si, mas porque em países ditos civilizados tais questiúnculas não acontecem, já que a premissa é só uma e fundamental: na prosperidade comum, o bem de todos. Mas em Portugal não. Em Mil Novecentos e Noventa e Quatro estávamos a aprender o que custa a liberdade, desta feita não à volta da fogueira, mas no meio das ruas, a atear outras fogueiras e outros fogos contra as Provas Globais de Acesso e as propinas do ensino universitário, instrumentos cujo único intuito consistia em serrar as pernas aos mais jovens e refrear toda e qualquer possibilidade de ascensão social. O princípio do fim, portanto.

Sem as ansiadas notas de acesso à universidade ou os meios para financiar tais cursos não mais seria possível sonhar, viajar ou casar, viver, para sempre condenados aos míseros salários mínimos, salários mínimos esses responsáveis pelo enriquecimento de uma nação inteira, mas nem por isso o seu povo.

A história, e os anos vindouros, vieram apenas confirmar tais receios (e ter emprego já é bom, esqueçam lá os contratos, porque hoje somos todos colaboradores: tão bom! Tão bom ter só pão à mesa!). Incomodados com tal alarido nas ruas por parte de milhares de jovens andrajosos mais uns quantos rabos à mostra (onde se liam as palavras "não pago", à razão de uma letra por nádega), os mais velhos, os nossos pais, não se ficaram apenas pela vulgaridade de nos chamar um nome. Não. Classificaram-nos. Catalogaram-nos. Denominaram-nos: "Geração rasca".

E rasca ficou, como se nos cuspissem no chão. Entretanto passaram vinte anos. E nós não nos esquecemos. Não nos esquecemos do que pagámos pelos nossos cursos, não nos esquecemos do desemprego que procedeu os nossos cursos, nem tão pouco nos esquecemos dos tachos, da corrupção e da emigração, emigração essa feita sempre sob o signo de não sermos suficientemente bons para podermos cá ficar, em casa, junto de quem mais amamos.

"Guess what"? Lá fora, não somos rascas, e lá fora não só acreditam em nós, mas apostam em nós, dão-nos trabalho e contratos, condições, casa e casamento, uma vida, um lugar ao sol e um futuro, e lá fora já não somos mais o vosso cuspo no chão. F...ram-nos a vida, e por tal bem que tivemos de sair do país.

Por isso, não nos esquecemos: não nos esquecemos de vos esquecer uma vez chegada a vossa hora. Sós, hão-de morrer sós, e quando já cá não estiverem apagaremos os vossos nomes das paredes, das ruas e das histórias: apagaremos os vossos nomes da memória. Como aliás já fizemos com este senhor que se lembrou de nos insultar, já lá vão mais de vinte anos (Vicente qualquer coisa?).