Lisboa avança com plano para diminuir ruído mas Portugal continua fora da lei

Câmara da capital quer investir nove milhões de euros na redução do ruído em 29 pontos da cidade. Aeroporto de Lisboa tomou medidas mas continua a ultrapassar valores legais.

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Exposição ao ruído da aviação está relacionado com problemas de saúde como hipertensão Adriano Miranda

A legislação obriga os municípios com mais de 100.000 habitantes a elaborarem mapas estratégicos de ruído, com uma radiografia das zonas mais problemáticas, e a apresentarem planos de acção com medidas para reduzir a poluição sonora. Oeiras e Lisboa já têm os mapas aprovados pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) mas as câmaras do Porto, Matosinhos, Amadora e Odivelas apenas contam concluir os seus em 2016 – quatro anos depois do previsto na lei.

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A legislação obriga os municípios com mais de 100.000 habitantes a elaborarem mapas estratégicos de ruído, com uma radiografia das zonas mais problemáticas, e a apresentarem planos de acção com medidas para reduzir a poluição sonora. Oeiras e Lisboa já têm os mapas aprovados pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) mas as câmaras do Porto, Matosinhos, Amadora e Odivelas apenas contam concluir os seus em 2016 – quatro anos depois do previsto na lei.

Por ter mais de 250 mil habitantes, Lisboa deveria ter sido a primeira a apresentar um plano de acção para reduzir o ruído, até Março de 2008, mas o documento só viu a luz do dia em 2013. A versão final, com algumas alterações sugeridas durante a consulta pública, vai ser votada na reunião do executivo nesta quarta-feira, após várias reuniões de “concertação política” com os partidos da oposição, segundo o vereador da Estrutura Verde, José Sá Fernandes. O resultado é “um bom plano”, garante.

O documento define medidas para os próximos 15 anos e um investimento de nove milhões de euros. O objectivo é intervir em 29 zonas onde existem, no total, cerca de 33 mil pessoas expostas a níveis de ruído acima do máximo previsto na lei – 65 decibéis (dB) durante o dia e 55 dB durante a noite. Na primeira fase, durante os próximos cinco anos, serão gastos três milhões de euros em 24 zonas para reduzir em 80% o número de pessoas afectadas. Mas algumas medidas já estão em andamento – através de programas como o “Uma praça em cada bairro” ou da construção de ciclovias para promover a mobilidade suave.

Sá Fernandes diz que as soluções passam, por exemplo, pela substituição do piso rodoviário por pavimentos menos ruidosos, a redução da velocidade máxima em zonas secundárias, o reperfilamento de ruas (à semelhança do que foi feito na Av. Duque de Ávila) ou a colocação de barreiras acústicas (nomeadamente junto ao centro comercial Fonte Nova e, numa segunda fase, nas imediações da Segunda Circular). Também serão lançadas novas orientações para as zonas de diversão nocturna e realizadas mais acções de sensibilização, e está prevista a criação de 12 “zonas tranquilas”, semelhantes aos corredores verdes já existentes.

A câmara quer intervir em zonas como a Baixa – onde já conseguiu reduzir o ruído do tráfego rodoviário em 50% desde 2006, segundo Sá Fernandes – Alcântara, Campolide, Campo das Cebolas, Campo Grande/Avenida do Brasil, Calçada de Carriche/Padre Cruz, Fontes Pereira de Melo e Escola Politécnica. Outro “ponto negro” da capital é a Cidade Universitária, onde houve já uma “intervenção importante”, através da reorganização do estacionamento e reperfilamento das ruas. “Mas ali temos os aviões”, lamenta.

Vários estudos científicos apontam para uma relação entre a exposição ao ruído de tráfego, em particular da aviação, e problemas de saúde como o risco de hipertensão, problemas cardiovasculares, dificuldades de concentração sobretudo nas crianças, irritabilidade e doenças do sono. À semelhança dos municípios mais densamente povoados, a ANA - Aeroportos de Portugal foi obrigada a elaborar mapas estratégicos do ruído e planos de acção para os aeroportos de Lisboa e do Porto. Esses documentos estão concluídos e foram aprovados pela APA mas continua a haver ultrapassagem dos limites legais, potenciada pelo aumento do tráfego que resulta do boom do turismo, em especial na capital.

Em 2012, a Quercus fez medições nas zonas próximas do aeroporto e encontrou vários locais onde os limites eram ultrapassados quer de dia quer de noite. Na Avenida do Brasil, por exemplo, chegou a medir 101,3 dB durante o dia. "É um valor muito preocupante tendo em conta que o limiar da dor está nos 120 dB", diz Mafalda Sousa, especialista em ruído da associação ambientalista.

O relatório de monitorização do ruído do aeroporto de Lisboa relativo ao Verão de 2013, por exemplo, conclui que o limite diurno foi ultrapassado em 3 dB na zona de Camarate (Loures) e em 4,6 dB na Cidade Universitária, onde durante a noite (entre as 23h e as 7h) o limite de 55 dB foi ultrapassado em 8,1 dB.

Apesar disso, a ANA garante que "tendo por base análises comparativas associadas às monitorização efectuadas por período homólogo, verifica-se que os níveis existentes podem ser considerados equivalentes, não existindo assim diferenças significativas". E sublinha que houve "um decréscimo da abrangência das curvas isófonas e do impacto associado às emissões e ruído", entre 2006 e 2011. "Não se tendo verificado uma redução de tráfego aéreo, tal se atribui às novas tecnologias de redução de ruído que integram as novas gerações de aeronaves e às medidas já em curso no Aeroporto".

O Plano de Acção de Gestão e Redução de Ruído do Aeroporto de Lisboa prevê medidas como a identificação de eventuais “pontos negros” e a realização de campanhas de monitorização nessas zonas, o que ainda não avançou.

A lei prevê também a elaboração de mapas e planos de acção para as principais rodovias e ferrovias de elevado tráfego, mas também aqui pouco foi feito: apenas quatro planos de acção para as estradas e nenhum para a ferrovia, segundo a informação disponível no site da APA.

No ano passado, a Quercus apresentou queixa à Comissão Europeia pelo “incumprimento grave” da legislação em Portugal. “Responderam-nos que a implementação da directiva sobre o ruído ambiente está a ser analisada, em todos os Estados-membros, em simultâneo com a directiva da qualidade do ar. Mas têm poucos recursos deverão dar prioridade à segunda”, afirma Mafalda Sousa. “Terá de haver um impulso mais firme por parte da comissão, e a nível nacional, para que seja cumprida a legislação”, defende.