Governo perdoa 85 milhões ao Novo Banco na transferência de créditos do BES

Mudança de créditos imobiliários, ao consumo ou às empresas ficaram isentos de pagamentos dos custos e encargos legais, que chegam aos 250 euros. Governo sustenta que agiu ao abrigo do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

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Novo Banco deverá ser vendido em breve PÚBLICO/Arquivo

O secretário de Estado de Estado dos Assuntos Fiscais, através da Autoridade Tributária e Aduaneira, acolheu favoravelmente o pedido do Novo Banco de “isenção” de “emolumentos e outros encargos legais”, devidos “pela alteração da titularidade das garantias” constituídas a favor do BES” e a transferir para o seu universo. O parecer foi comunicado em Fevereiro deste ano, como indica documento a que o PÚBLICO teve acesso.

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O secretário de Estado de Estado dos Assuntos Fiscais, através da Autoridade Tributária e Aduaneira, acolheu favoravelmente o pedido do Novo Banco de “isenção” de “emolumentos e outros encargos legais”, devidos “pela alteração da titularidade das garantias” constituídas a favor do BES” e a transferir para o seu universo. O parecer foi comunicado em Fevereiro deste ano, como indica documento a que o PÚBLICO teve acesso.

Mais recentemente, num despacho de 13 de Abril de 2015, o Instituto dos Registos e do Notariado indica que foram desencadeados pelo Novo Banco procedimentos que abrangem actos de registo “de diversa natureza e em número muitíssimo elevado”. E que estão em causa, segundo esta autoridade, cerca de 19.000 registos de aquisição e 323.000 transmissões de créditos garantidos por hipotecas. Cada operação deveria ter dado lugar ao pagamento ao Estado, por parte do Novo Banco, de 250 euros.

“O despacho em causa foi emitido nos termos e condições previstos no artigo 60.º do EBF [Estatuto dos Benefícios Fiscais], na sequência de requerimento apresentado pelo Novo Banco junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo sido precedido de informação devidamente sancionada pela AT”. Este foi o comentário do gabinete da ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, à questão do PÚBLICO sobre as razões que levaram o Governo a libertar o Novo Banco de cumprir com as responsabilidades devidas, o que resultou num benefício para o requerente da ordem de 85,5 milhões de euros.

A transferência de créditos entre bancos acontece quando há uma fusão ou quando uma instituição passa a controlar o capital de outra. Cada uma destas transferências tem um custo de 250 euros de emolumentos (despesas cobradas pela realização do serviço pelas conservatórias). O mesmo acontece sempre que um cliente de um banco pretenda mudar o seu crédito para outra instituição, o que acarreta o pagamento dos mesmos 250 euros. No caso referido, a passagem dos créditos do BES para o Novo Banco decorre a pedido do grupo liderado por Eduardo Stock da Cunha.  

Dado que o Novo Banco pertence ao Fundo de Resolução, detido pelas instituições financeiras com actividade em Portugal e gerido no quadro do Banco de Portugal, o benefício foi directo para os cofres do sector financeiro.

Recorde-se que quer o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, quer a ministra das Finanças, Marias Luis Albuquerque, têm vindo a lembrar de forma repetida que o Novo Banco não foi nacionalizado e não está na esfera do Estado, como a CGD, mas sim do Fundo de Resolução.   

Na Comissão Parlamentar de Inquérito ao colapso do GES-BES, a ministra das Finanças referiu que um “eventual encargo” resultante da venda do Novo Banco (ou seja, se for alienado por menos do que os 4900 milhões ali injectados) será suportado por bancos e por instituições financeiras subscritoras do Fundo de Resolução e não pelos contribuintes. Mas se tivesse ocorrido uma recapitalização pública do BES, explicou, o Estado seria, “directamente”, o seu dono e não existiria Novo Banco, que pertence a privados e à CGD.

Ao contrário do Estado (cuja prioridade deverá ser, em princípio, garantir receitas), a preocupação do Novo Banco é resolver a questão da transmissão da titularidade. Fonte oficial da instituição observou ao PÚBLICO que “o processo está a correr como previsto, apesar de se tratar de uma transmissão massiva, que envolve o SIR e as Conservatórias, com a complexidade decorrente dos processos de uma operação de grandes dimensões a ser realizada num período curto”. Revelou ainda que Stock da Cunha conta ter, “até final de Maio, a grande maioria das transmissões de averbamentos e registos de imóveis realizados”. 

O processo de resolução do BES, decretado a 3 de Agosto de 2014, que dividiu o grupo da família Espírito Santo em dois (BES tóxico e Novo Banco), já tinha gerado um imbróglio, entretanto, resolvido. A medida não acautelou os mecanismos legais que possibilitassem a venda dos cerca de 15 mil imóveis em carteira (prédios, apartamentos ou terrenos, parte substancial recebidos em dação em pagamento) avaliados então em 2000 milhões de euros. Os activos transitaram para o balanço do Novo Banco, mas continuaram registados nas Repartições de Finanças como sendo do BES. A ausência de uma clarificação permitiu que, nos meses seguintes à resolução, muitos notários e conservatórias resistissem a dar andamento à venda dos imóveis, mesmo em processos já abertos no BES antes de Agosto. As escrituras e contratos não se realizavam pois o Novo Banco estava impedido de os assinar. 

Venda do Novo Banco em curso
A decisão de conceder uma "borla" de mais de 85 milhões de euros ao Novo Banco ocorre a poucos meses de o Banco de Portugal dar por concluída a sua agenda de venda do segundo maior banco privado a capitais estrangeiros.

Passaram à terceira fase do concurso público de alienação do Novo Banco cinco grupos: um espanhol, o Banco Santander, dois chineses, a Fosun e a Anbang Insurance, e dois fundos norte-americanos, Apollo Global Management e Cerberus.

O calendário já anunciado aponta para que o negócio possa estar concluído ainda no primeiro semestre, isto se a disputa judicial que o supervisor está a travar com a Goldman Sachs por causa de um financiamento superior a 706 milhões de euros concedido ao BES pela Oak Finance — um veículo de investimento criado pela Goldman — não prejudicar o negócio. Uma possibilidade já admitida pelo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.