Desespero no Nepal transforma-se em revolta contra o Governo

À entrada para o quarto dia depois do terramoto, há 5000 mortos e quase um milhão e meio de nepaleses que precisam de assistência alimentar. Estimativas apontam para 10 mil mortos.

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O executivo admitiu desde o primeiro momento que seria incapaz de lidar com o desastre humanitário causado pelo terramoto sem a ajuda internacional e tem vindo a repeti-lo ao longo dos últimos quatro dias. Mas isso não parece ter impedido os nepaleses de acusarem o Governo de estar a fazer pouco.

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O executivo admitiu desde o primeiro momento que seria incapaz de lidar com o desastre humanitário causado pelo terramoto sem a ajuda internacional e tem vindo a repeti-lo ao longo dos últimos quatro dias. Mas isso não parece ter impedido os nepaleses de acusarem o Governo de estar a fazer pouco.

Sushil Koirala, o primeiro-ministro do Nepal, disse nesta terça-feira à Reuters que, quando as equipas de salvamento retirarem todos os destroços e alcançarem as zonas rurais isoladas, o número de mortos no país poderá atingir as 10 mil pessoas. O registo tem-se vindo a aproximar da estimativa do primeiro-ministro. Ao início da tarde desta terça-feira, contavam-se já 5000 mortos, mais mil do que no final de segunda-feira. “O Governo está a fazer tudo o que pode para o resgate e apoio num cenário de guerra”, disse Koirala.

Segundo as contas das Nações Unidas divulgadas nesta terça-feira, foram afectadas oito milhões de pessoas pelo sismo de sábado e 1,4 milhões precisam de assistência alimentar.  

Apesar de o Exército de 100 mil efectivos do Nepal ter colocado cerca de 90% dos militares ao serviço das operações de resgate e de o Governo ter feito o mesmo com a polícia, há habitantes que se dizem abandonados. “Não há simplesmente ninguém do Governo ou do Exército para nos ajudar”, disse à Reuters Pradip Subba, um jovem de 27 anos que escavava com as mãos os destroços da torre de Dharahara em busca do cadáver do irmão e da cunhada. “Esperar por ajuda é mais doloroso do que se formos nós a fazer isto”, disse o nepalês.

Nos destroços de mais um monumento do vale de Katmandu, a Reuters descreve uma situação reveladora: ao largo de um grupo de habitantes que usava instrumentos rudimentares para limpar os destroços de um templo tombado, havia um grupo de polícias parados, a observarem os esforços.

Tal como Pradip Subba, também Anil Giri usava apenas das mãos para chegar ao fundo do amontoado de detritos, onde esperava encontrar dois amigos. Consigo estavam cerca de 20 voluntários. “Estamos a retirar os destroços apenas com as nossas mãos”, disse Anil Giri, citada pela Reuters. A queixa era a mesma de Subba: “O Governo não fez nada para nos ajudar.”

Condições complicaram-se
Nesta terça-feira regressou a chuva ao Nepal. As bátegas são intensas e já fizeram com que vários acessos ficassem inundados, o que atrasará mais ainda a chegada de equipas de salvamento às zonas rurais. Começaram finalmente a chegar helicópteros à região mais próxima do epicentro, Ghorka, situada entre a capital Katmandu e Pokhara. Mas há ainda muitas aldeias neste distrito nas quais ainda não entraram quaisquer equipas de socorro e que estão sem água e electricidade.

Essas aldeias são um “buraco negro”, como escreve o New York Times. Os deslizamentos de terra que se seguiram ao terramoto e os acessos bloqueados pela chuva e detritos tornam a chegada por terra impossível. Os meios aéreos são escassos e, até ao momento, a ajuda que algumas aldeias conseguiram foi receber comida seca e tendas improvisadas em pacotes lançados pelo ar. Muitas nem isso.

Complicações deste tipo fizeram-se sentir numa operação de resgate a norte de Katmandu. Por volta do meio-dia, hora local, uma vila a 2000 metros de altitude foi atingida por uma avalancha. Estariam cerca de 250 pessoas nessa localidade, de acordo com a Reuters, e as autoridades estão a tratá-las como desaparecidas. Mas a chuva e os deslizes de terra impediram a chegada de equipas de resgate à vila Ghodatabela, que tem paredes-meias com a cordilheira dos Himalaias.

No Evereste, o socorro progrediu no sentido contrário. Na terça-feira foram resgatados por helicóptero todos os montanhistas que estavam presos acima dos dois acampamentos.

Operações vão durar semanas
Em absoluto dependente da ajuda internacional e sem equipas especializadas de resgate ou recursos ao seu dispor, o Nepal enfrenta agora semanas de operações de socorro. Só para os detritos, serão semanas. “Temos de remover todos os destroços, por isso vai demorar muito tempo… acho que vai demorar semanas”, disse à televisão indiana NDTV o chefe da força de resgate da Índia, O.P. Singh.

Só então se saberão os números finais de vítimas do grande terramoto de sábado. As prioridades estão estabelecidas: alcançar os locais mais remotos nas regiões montanhosas do país, onde se antecipa que o terramoto tenha devastado quase por completo as frágeis construções, limpar as ruas estreitas de Katmandu e chegar às pessoas aprisionadas nos destroços. Alguns destes acessos são tão estreitos que não haveria espaço para utilizar material pesado, mesmo que este existisse.

Espera-se que a assistência humanitária melhore ao longo destes próximos dias. Partiram novos aviões com toneladas de material de apoio de vários países, incluindo Índia, China, Estados Unidos, Reino Unido e Paquistão. No entanto, estes voos terão de se bater com o congestionamento do aeroporto de Katmandu e com a falta de mão-de-obra para descarregar os aparelhos.