A carta do PSD a Costa na íntegra
Exmo. Senhor
A verdade faz-nos mais fortes
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Exmo. Senhor
Secretário-Geral do Partido Socialista
Dr. António Costa
Gostaríamos de começar por manifestar ao Partido Socialista a nossa satisfação pela apresentação do relatório “Uma Década para Portugal”, na justa medida em que poderá constituir uma base documental muito útil para um debate político mais estruturado. Independentemente das nossas diferenças quanto às políticas económicas ou quanto à estratégia orçamental, o documento antes referido poderá ajudar a que possamos fazer uma discussão em torno de questões concretas e, dessa forma, dar a conhecer aos Portugueses o projeto político que cada Partido pretende concretizar após as eleições deste ano.
Nesse sentido, procurando que a discussão seja tão baseada em factos e elementos concretos quanto possível, importa que o exercício técnico subjacente ao documento apresentado pelo Partido Socialista seja auditável, como, aliás, expressamente foi por vós referido na respectiva sessão de apresentação. Todos estamos de acordo que se torna cada vez mais necessário haver grande “transparência na quantificação e avaliação das políticas” apresentadas, permitindo assim que os portugueses façam as suas escolhas na base de informação objectiva e tendo em conta o quadro de resultados e de consequências económicas, financeiras e sociais correspondentes no curto, médio e longo prazos. Isso permitirá elevar a qualidade do debate político e reforçar o exercício de escolha democrática em torno de projetos políticos alternativos.
Neste contexto, gostaríamos de colocar à vossa consideração a possibilidade de o Partido Socialista tomar a iniciativa de submeter o cenário macroeconómico que acompanha o relatório “Uma Década para Portugal” desde logo à UTAO mas também eventualmente ao Conselho de Finanças Públicas.
No mesmo sentido, e dado o importante pressuposto assumido pelo PS de que pretende assegurar o compromisso político de respeitar as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Tratado Orçamental, era muito importante e facilitador da necessária transparência que o referido cenário macroeconómico fosse acompanhado do quadro que lhe corresponde com os limites nominais de despesa por programa orçamental para o ano de 2016 e de um teto global para os anos seguintes do exercício até 2019. Deste modo, haveria uma garantia reforçada de que as propostas já apresentadas, bem como as novas a incluir no programa eleitoral, não colocariam em causa as regras europeias e as metas fixadas. Por outro lado, tornar-se-ia ainda mais fácil garantir uma base de comparabilidade com o Programa de Estabilidade que o governo aprovou e que a maioria apoiou no parlamento.
Tudo isto com um objetivo central: eliminar qualquer tipo de ambiguidades nas propostas a submeter aos Portugueses, antes manifestando clareza total nos propósitos, sobretudo que estes sejam compatíveis com os compromissos assumidos pelo nosso País, no seio da União Europeia, e nomeadamente que a despesa que se pretende realizar se enquadra naquilo que são as regras e os objetivos a que estamos obrigados, nesse domínio, ao nível europeu.
Por fim, e para além destas questões prévias – mas politicamente muito relevantes - no plano político, passamos agora a detalhar um conjunto de aspectos que nos suscitam dúvidas no contexto do já referido relatório e relativamente ao qual requeríamos desde já clarificação da parte do Partido Socialista:
O cenário macroeconómico apresentado em quadros no final do documento é referido logo na página 8, afirmando que se cumprem as “restrições associadas à participação ativa de Portugal na construção da área do euro”. No entanto, não considera o cumprimento do objetivo da saída de PDE em 2015, em incumprimento da decisão do Conselho e não há qualquer referência no documento à trajetória de evolução do saldo estrutural, elemento central na avaliação do cumprimento das referidas restrições;
No que respeita ao cenário central apresentado, não se percebe se a informação considera a revisão em baixa do PIB de 2012, com impactos nos anos futuros;
Os documentos da Comissão Europeia referidos como base de informação encontram-se em bases estatísticas distintas: para os anos de 2015 e 2016, a informação tem por base o SEC2010, enquanto a informação para 2017 e 2018 parte de uma base SEC1995;
Na página 36, considera-se como base para dados relativos às prestações sociais o valor considerado na proposta de OE 2014. Porque não os dados reais de 2014 ou, no limite, os constantes do OE 2015?
A convergência dos sistemas de pensões da CGA e da SS já foi aprovada na legislatura corrente com efeitos em todas as pensões futuras. A que se referem as medidas identificadas nas páginas 39 e 40? Que grupos de beneficiários deverão ver alteradas as condições de formação de pensão? Aplica-se apenas a futuros pensionistas ou aos atuais?
Não se compreende o alcance da medida proposta na página 40 de “desagregação funcional e financeira da proteção no desemprego atenta a sua implicação nas políticas de promoção de emprego”.
Qual é exatamente a proposta de reavaliação do fator de sustentabilidade nas pensões?
Nas páginas 41 e 42, propõe-se a reposição de mínimos sociais. Quando se refere o “período de impacto da medida” é o “ano de introdução da medida (que depois se mantém)” ou só é válida mesmo nos anos indicados?
A componente de financiamento da Segurança Social por via do IRC parece considerar como acréscimo de receita uma não redução da taxa nos próximos anos. O impacto positivo no financiamento da SS é medido face ao cenário de políticas invariantes do Governo?
Na página 44, tomam-se como referência contribuições para a SS de outubro de 2013. A quantificação dos impactos da redução da TSU é feita com base em dados de há um ano e meio? Sendo as contribuições hoje superiores, isso não implicará um impacto orçamental superior da medida?
Ainda sobre a mesma medida, refere-se que o remanescente será concretizado através da receita fiscal que resulta do impacto económico das medidas. Qual é exatamente esse impacto e de que medidas em concreto resulta?
De quanto é o impacto estimado de perda de receita de uma eliminação da sobretaxa de IRS em 2016 e 2017?
A taxa de poupança considerada não parece compatível com o crescimento do consumo nominal.
Sobre o financiamento da redução da TSU para os trabalhadores com redução da pensão futura, o que está subjacente à análise é um plafonamento das pensões? O objetivo é estimular consumo presente em troca de perda de rendimento futuro?
Na página 51, não se alcança o sentido de “consolidação da derrama estadual”.
Tendo presentes as iniciativas de combate à fraude e evasão fiscais já em vigor, com resultados comprovados, quanto se espera de benefício adicional decorrente da redução do IVA da restauração de 23% para 13% e através de que novas medidas?
Qual é o impacto orçamental do agravamento da taxa de IMI, da não eliminação do IMT e das deduções do montante pago a título de IMT em casos específicos?
Qual o impacto orçamental do conjunto de medidas propostas na área da educação?
Porque se pondera a redução do horário de trabalho para as 35h semanais quando a legislação em vigor permite dispor de forma diferente das 40h em sede de negociação coletiva, tanto mais que a proposta ressalva que tal só será possível se não tiver impactos orçamentais? Não parece acrescentar ao que já decorre da lei em vigor.
Não existe, nem nunca existiu, um congelamento de admissões na administração pública, apenas o seu controlo mais rigoroso, como atestam os múltiplos recrutamentos em diversas áreas ao longo dos últimos anos. A que admissões “congeladas” se refere então o documento?
Que medidas adicionais de incentivo à reafectação territorial de funcionários públicos estão previstas, sendo que existe já um conjunto considerável de incentivos em vigor? Qual o seu impacto orçamental?
Qual o custo considerado para a reversão dos cortes salariais no sector público nos anos de 2016 e 2017?
Qual o impacto orçamental estimado do descongelamento das promoções e progressões a partir de 2018? De que forma se processaria?
Na página 66 apresenta-se uma proposta de gestão conjunta das despesas com pessoal e das despesas em aquisição de serviços. Tendo em conta a rigidez das primeiras, qual a eficácia prevista da medida? Como ultrapassar uma situação em que as despesas em aquisição de serviços resultassem em saldo insuficiente para as despesas com pessoal?
Para as propostas apresentadas para o sistema de justiça, qual a estimativa que consubstancia a referência de que as alterações necessárias do sistema não requerem significativos meios financeiros?
No que respeita ao aumento do investimento por execução extraordinária de fundos europeus são referidos “cálculos efetuados” que fazem acrescer cerca de 1000 milhões de euros por ano “sem uma exigência elevada ao orçamento nacional”. Que cálculos são esses e qual o impacto estimado em 2016?
Dada a forte componente importada do consumo e do investimento, como se explica o pouco impacto nas importações e, consequentemente, no saldo da balança corrente?
Como se compatibiliza a aceleração das remunerações com a redução dos custos unitários do trabalho ao longo do período das projeções?
Como se explica o comportamento do deflator das importações face ao cenário de evolução do preço do petróleo e da taxa de câmbio?
Agradecendo antecipadamente a melhor atenção às questões suscitadas, e aguardando a resposta que nos possa ser fornecida oportunamente, subscrevemo-nos
Com os nossos melhores cumprimentos
O Vice-Presidente Coordenador e Porta-Voz do PSD
Marco António Costa
Lisboa, 27 de Abril de 2015