O “pai” do Cazaquistão prepara-se para chegar às três décadas no poder
Eleições presidenciais devem reconduzir Nursultan Nazarbaiev para um quinto mandato. Poder do único líder desde a independência mantém-se inalterado mesmo em tempos de crise económica.
Em Astana, a cidade planeada e construída de raiz por Nazarbaiev para servir de capital política e financeira – Astana significa precisamente capital em cazaque –, o ambiente é de uma corrida eleitoral com um só rosto. Nos cartazes com a cara de Nazarbaiev lêem-se os apelos a “Novas vitórias, juntos com o Líder da Nação!”. Nas últimas semanas, o “papá”, como é carinhosamente conhecido, multiplicou-se em inaugurações em que o papel como Presidente se confundia com o de candidato – foram 21 eventos em três semanas, segundo o relatório dos observadores internacionais.
Mas Nazarbaiev quase que poderia ficar em casa durante toda a campanha e mesmo assim conseguir uma vitória confortável. Os outros dois candidatos são vistos como fantoches do poder presidencial, para dar uma imagem de competição eleitoral aparente. Um deles, Turgun Sizdikov, do Partido Comunista, nas poucas acções de campanha em que participou “elogiou o Presidente pelos progressos do país e não pediu aos participantes para o apoiarem”, lê-se na avaliação preliminar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
A única incerteza que persistia quanto à continuidade de Nazarbaiev à frente dos destinos do Cazaquistão foi dissipada num congresso extraordinário do seu partido, Nur Otan, em Março. O Presidente de 74 anos tinha deixado dúvidas quanto à possibilidade de se recandidatar às eleições antecipadas, mas o apoio insistente dos militantes fê-lo reconsiderar. Entre os delegados do partido, houve quem se referisse a Nazarbaiev como alguém “beijado por Deus” – o Presidente chegou mesmo a interromper alguns oradores que advertiu por serem excessivamente elogiosos, escreve a revista Diplomat.
Nazarbaiev decidiu convocar eleições antecipadas para escapar aos efeitos que o recuo da economia do país irá provocar nos próximos tempos, de acordo com os analistas. O país de 17 milhões de habitantes conheceu um crescimento acelerado desde o início do século, sobretudo após a descoberta de grandes reservas de petróleo e gás natural, mas também através da extracção de ouro, manganês e carvão.
Em 15 anos, o PIB per capita passou de cerca de mil dólares para 13 mil e o país atraiu mais de 200 mil milhões de dólares em investimento directo estrangeiro. No entanto, os últimos tempos têm sido de inversão da tendência, com a economia a passar de uma taxa de crescimento de 6% em 2013 para 3,9% no início de 2014. Para este ano, o Governo antecipa um recuo para 1,5% e até pode contrair-se, se a queda do preço do barril de Brent continuar, diz a Reuters.
Nazarbaiev é estabilidade
O percurso económico do Cazaquistão está intimamente ligado ao da Rússia, o seu maior parceiro comercial e o principal aliado. A relação estreitou-se ainda mais com a entrada da antiga república soviética na União Económica Euroasiática – o espaço de comércio livre que reúne também a Rússia, Bielorrússia e Arménia. As sanções económicas aplicadas à Rússia pelo seu envolvimento no conflito ucraniano tiveram repercussões negativas na saúde económica do Cazaquistão e o país tem tentado descolar-se de Moscovo.
Ainda esta semana, Astana rejeitou a ideia russa de introdução de uma moeda única no espaço euroasiático. Os dois países estão também envolvidos numa pequena “guerra comercial”, embora não seja reconhecida oficialmente por nenhum dos dois governos. O Cazaquistão impôs um embargo a certos produtos alimentares russos, que com a queda do rublo se tornaram mais baratos e ameaçavam a produção interna. Moscovo respondeu de forma semelhante, proibindo a entrada de lacticínios, frutas e legumes cazaques.
Mas mesmo entre os investidores, o sentimento é de que Nazarbaiev é sinónimo de estabilidade – e os mercados gostam disso. “Sabemos que Nazarbaiev é constante, sabemos o que esperar dele”, disse à Reuters o presidente da consultora norte-americana Alfa, Edward Mermelstein. O Ocidente olha para o Cazaquistão como um importante parceiro comercial, mesmo se o histórico em termos de direitos humanos e liberdades é negativo.
Várias organizações alertam para a repressão policial sobre os opositores políticos – em 2011 uma acção das forças de segurança fazer 14 mortos – e para o forte controlo sobre a liberdade de imprensa e de associação. A Repórteres sem Fronteiras posiciona o Cazaquistão no 161.º lugar, em 180, e a Freedom House classifica o país como “Não Livre”.
Assim, as eleições deste domingo, reduzidas a uma mera formalidade para os 9,5 milhões de eleitores, vão permitir a Nazarbaiev completar três décadas no poder – um recorde na Ásia Central. O filho de pastores é o único líder que o Cazaquistão conheceu desde a independência em 1991, e na fase final do regime soviético já liderava o Partido Comunista da República Cazaque.
Em aberto está o futuro do país, após Nazarbaiev. Quando apresentou o seu programa de longo prazo, o “papá” referiu a necessidade de uma “reforma constitucional que preveja a transferência do poder do Presidente para o Parlamento e Governo”. Para já, o certo é que o “pai da nação” deverá continuar – “o único aspecto importante deste evento é o facto de que a eleição pode muito bem ser a sua última”, disse à AFP o analista Dosim Satpaiev.
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Em Astana, a cidade planeada e construída de raiz por Nazarbaiev para servir de capital política e financeira – Astana significa precisamente capital em cazaque –, o ambiente é de uma corrida eleitoral com um só rosto. Nos cartazes com a cara de Nazarbaiev lêem-se os apelos a “Novas vitórias, juntos com o Líder da Nação!”. Nas últimas semanas, o “papá”, como é carinhosamente conhecido, multiplicou-se em inaugurações em que o papel como Presidente se confundia com o de candidato – foram 21 eventos em três semanas, segundo o relatório dos observadores internacionais.
Mas Nazarbaiev quase que poderia ficar em casa durante toda a campanha e mesmo assim conseguir uma vitória confortável. Os outros dois candidatos são vistos como fantoches do poder presidencial, para dar uma imagem de competição eleitoral aparente. Um deles, Turgun Sizdikov, do Partido Comunista, nas poucas acções de campanha em que participou “elogiou o Presidente pelos progressos do país e não pediu aos participantes para o apoiarem”, lê-se na avaliação preliminar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
A única incerteza que persistia quanto à continuidade de Nazarbaiev à frente dos destinos do Cazaquistão foi dissipada num congresso extraordinário do seu partido, Nur Otan, em Março. O Presidente de 74 anos tinha deixado dúvidas quanto à possibilidade de se recandidatar às eleições antecipadas, mas o apoio insistente dos militantes fê-lo reconsiderar. Entre os delegados do partido, houve quem se referisse a Nazarbaiev como alguém “beijado por Deus” – o Presidente chegou mesmo a interromper alguns oradores que advertiu por serem excessivamente elogiosos, escreve a revista Diplomat.
Nazarbaiev decidiu convocar eleições antecipadas para escapar aos efeitos que o recuo da economia do país irá provocar nos próximos tempos, de acordo com os analistas. O país de 17 milhões de habitantes conheceu um crescimento acelerado desde o início do século, sobretudo após a descoberta de grandes reservas de petróleo e gás natural, mas também através da extracção de ouro, manganês e carvão.
Em 15 anos, o PIB per capita passou de cerca de mil dólares para 13 mil e o país atraiu mais de 200 mil milhões de dólares em investimento directo estrangeiro. No entanto, os últimos tempos têm sido de inversão da tendência, com a economia a passar de uma taxa de crescimento de 6% em 2013 para 3,9% no início de 2014. Para este ano, o Governo antecipa um recuo para 1,5% e até pode contrair-se, se a queda do preço do barril de Brent continuar, diz a Reuters.
Nazarbaiev é estabilidade
O percurso económico do Cazaquistão está intimamente ligado ao da Rússia, o seu maior parceiro comercial e o principal aliado. A relação estreitou-se ainda mais com a entrada da antiga república soviética na União Económica Euroasiática – o espaço de comércio livre que reúne também a Rússia, Bielorrússia e Arménia. As sanções económicas aplicadas à Rússia pelo seu envolvimento no conflito ucraniano tiveram repercussões negativas na saúde económica do Cazaquistão e o país tem tentado descolar-se de Moscovo.
Ainda esta semana, Astana rejeitou a ideia russa de introdução de uma moeda única no espaço euroasiático. Os dois países estão também envolvidos numa pequena “guerra comercial”, embora não seja reconhecida oficialmente por nenhum dos dois governos. O Cazaquistão impôs um embargo a certos produtos alimentares russos, que com a queda do rublo se tornaram mais baratos e ameaçavam a produção interna. Moscovo respondeu de forma semelhante, proibindo a entrada de lacticínios, frutas e legumes cazaques.
Mas mesmo entre os investidores, o sentimento é de que Nazarbaiev é sinónimo de estabilidade – e os mercados gostam disso. “Sabemos que Nazarbaiev é constante, sabemos o que esperar dele”, disse à Reuters o presidente da consultora norte-americana Alfa, Edward Mermelstein. O Ocidente olha para o Cazaquistão como um importante parceiro comercial, mesmo se o histórico em termos de direitos humanos e liberdades é negativo.
Várias organizações alertam para a repressão policial sobre os opositores políticos – em 2011 uma acção das forças de segurança fazer 14 mortos – e para o forte controlo sobre a liberdade de imprensa e de associação. A Repórteres sem Fronteiras posiciona o Cazaquistão no 161.º lugar, em 180, e a Freedom House classifica o país como “Não Livre”.
Assim, as eleições deste domingo, reduzidas a uma mera formalidade para os 9,5 milhões de eleitores, vão permitir a Nazarbaiev completar três décadas no poder – um recorde na Ásia Central. O filho de pastores é o único líder que o Cazaquistão conheceu desde a independência em 1991, e na fase final do regime soviético já liderava o Partido Comunista da República Cazaque.
Em aberto está o futuro do país, após Nazarbaiev. Quando apresentou o seu programa de longo prazo, o “papá” referiu a necessidade de uma “reforma constitucional que preveja a transferência do poder do Presidente para o Parlamento e Governo”. Para já, o certo é que o “pai da nação” deverá continuar – “o único aspecto importante deste evento é o facto de que a eleição pode muito bem ser a sua última”, disse à AFP o analista Dosim Satpaiev.