(Des)Acordo Ortográfico, outra vez…
Não sou contra nem a favor do Acordo Ortográfico. Tomo-o como sendo um passo no processo de transformação histórica de uma língua, como espero ter explanado de uma forma o mais inteligível possível.
Com a recente notícia, que dá a conhecer a posição da Anproport no que diz respeito à utilização da grafia prevista pelo Acordo Ortográfico nos exames nacionais, ramifica-se mais uma discussão em torno daquele que é um dos assuntos que mais faz remoer o dedo na ferida de um certo orgulho nacional desinformado e, diria até, ignorante.
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Com a recente notícia, que dá a conhecer a posição da Anproport no que diz respeito à utilização da grafia prevista pelo Acordo Ortográfico nos exames nacionais, ramifica-se mais uma discussão em torno daquele que é um dos assuntos que mais faz remoer o dedo na ferida de um certo orgulho nacional desinformado e, diria até, ignorante.
Por um lado, encontramos, da parte da Anproport, uma posição que se coaduna perfeitamente com o mecanismo subjacente à evolução histórica de uma língua, assumindo uma posição neutra quanto à sua utilização e à sua legitimidade, ao mesmo tempo que defende que “deve ser debatido e avaliado”, reforçando com a observação pertinente de que se verifica um caos derivado de uma mescla entre as duas grafias.
Por outro, temos a posição de muitos portugueses, de entre os quais se destacam figuras cimeiras do panorama cultural, que se apresentam e manifestam absolutamente contra o Acordo Ortográfico, invocando as mais variadas razões, essencialmente direcionadas para o facto de, no seu entender, representar uma autêntica atrocidade cometida contra a cultura portuguesa, contribuindo para a sua deformação, e podendo até contribuir para a iliteracia.
Ora, estes arautos (e garanto não estar a empregar aqui um tom irónico, visto tratarem-se efetivamente de arautos) da cultura portuguesa parecem fácil e rapidamente ignorar que também é culto quem tem a noção histórica de evolução de uma língua, a qual é inevitável, porque a cultura (e a linguagem faz parte dela) não é um corpo inerme a mover-se de forma imparável no tempo.
E porque, quem é literato facilmente se apercebe das transformações que a língua portuguesa sofreu ao longo dos séculos e que a grafia que alguém possa ter aprendido a utilizar em qualquer altura não tem nada de puro, mas é apenas uma forma transitória de nos expressarmos simbolicamente. Ou se percebe isto ou, com a negação perentória de legitimidade ao novo Acordo Ortográfico, promover-se-á, aí sim, a perda de séculos de literatura portuguesa redigida numa grafia diferente daquela que é empregue por quem se manifesta contra ele. A não ser que pretendam que a sua argumentação tenha uma valência unidirecional e, então, entramos no domínio da desonestidade intelectual.
Em todo o caso, pessoalmente, não sou contra nem a favor do Acordo Ortográfico. Tomo-o como sendo um passo no processo de transformação histórica de uma língua, como espero ter explanado de uma forma o mais inteligível possível.
O que me incomoda, como apreciador de cultura no geral, e literatura no particular, é tomar contacto com a ignorância de quem defende a integridade cultural não tendo o mínimo de abertura para o processo dinâmico que é a cultura, e manifestando publicamente, com toda a responsabilidade que isso acarreta, a apologia da estanqueidade cultural.