“Autoritarismo” e “programação fechada ao mundo” levam Pinto Ribeiro a demitir-se da Gulbenkian
Programador deixa a fundação a 15 de Setembro, dia em que acaba o Próximo Futuro. E garante que a Gulbenkian precisa de inovar a sua oferta cultural, tornando-a mais contemporânea e cosmopolita.
Num breve email enviado ao PÚBLICO, Pinto Ribeiro justifica a sua saída em três pontos e revela que a sua decisão decorre de “um conjunto de episódios de autoritarismo tomados por alguns membros do Conselho de Administração” impossíveis de “aceitar numa sociedade livre e democrática” e de opções em relação à programação com as quais não concorda: “As orientações tomadas para a programação artística para os próximos anos colidem frontalmente com o que eu considero ser uma programação artística inovadora, internacional, de apoio à criação portuguesa e cosmopolita que uma fundação com os recursos da Gulbenkian deve oferecer aos portugueses”, escreve o programador.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Num breve email enviado ao PÚBLICO, Pinto Ribeiro justifica a sua saída em três pontos e revela que a sua decisão decorre de “um conjunto de episódios de autoritarismo tomados por alguns membros do Conselho de Administração” impossíveis de “aceitar numa sociedade livre e democrática” e de opções em relação à programação com as quais não concorda: “As orientações tomadas para a programação artística para os próximos anos colidem frontalmente com o que eu considero ser uma programação artística inovadora, internacional, de apoio à criação portuguesa e cosmopolita que uma fundação com os recursos da Gulbenkian deve oferecer aos portugueses”, escreve o programador.
Em conversa telefónica, Pinto Ribeiro preferiu não dar exemplos do “autoritarismo” a que se refere mas, ao que o PÚBLICO apurou, entre esses episódios estará a ordem para que não se vendesse na livraria da fundação o álbum de BD Papá em África, do sul-africano Anton Kannemeyer (cidade do Cabo, 1967), um dos autores que a Gulbenkian recebe a 15 de Maio, num debate promovido pelo Próximo Futuro.
O livro, que o crítico do PÚBLICO José Marmeleira classifica como ácido e feroz em histórias e imagens, começa por parecer um pastiche de Tintin no Congo, de Hergé, mas acaba por se revelar, através de uma sátira mordaz ao autor belga que aqui é representado envelhecido a abater animais e até um africano negro, uma crítica violenta ao colonialismo e à sociedade afrikaner em que o próprio Kannemeyer cresceu. Foi editado em Portugal pela Chili com Carne.
Elisabete Caramelo, directora de comunicação da fundação, confirmou ao início da tarde desta sexta-feira que Pinto Ribeiro pediu a desvinculação da fundação, o que foi aceite pela Administração. Quanto ao livro, garantiu que já está à venda e que foi apenas “retirado temporariamente para que se pudesse identificar que se trata de uma Banda Desenhada para adultos”.
Junto ao livro, confirmou mais tarde o PÚBLICO, está efectivamente um aviso que indica que os conteúdos do álbum - texto e imagem - não são apropriados para crianças.
Desencontro total
“Autoritarismos” à parte, Pinto Ribeiro diz que a sua decisão se deve sobretudo a um “desencontro total” naquilo que são – ou, na sua opinião, devem ser - os objectivos da oferta cultural de uma instituição como a Gulbenkian.
“Inovação” e “internacionalização” deveriam ser ingredientes-chave na oferta artística da casa, disse ainda ao telefone: “A Gulbenkian não pode continuar a fazer uma programação fechada ao mundo, que não tem uma dimensão contemporânea, internacional.”
Como coordenador-geral para a programação da Gulbenkian, Pintor Ribeiro deveria vir a supervisionar a oferta do Centro de Arte Moderna, da responsabilidade de Isabel Carlos; do Serviço de Música de Risto Nieminen, que inclui a orquestra e o coro e gere o maior dos orçamentos da fundação na área cultural; e do Museu Gulbenkian, para o qual foi recentemente nomeada uma directora, a inglesa Penelope Curtis.
No seu email, o programador, que até aqui não fizera quaisquer declarações públicas sobre a sua nomeação para o cargo, garante ainda que se afasta porque estas funções de coordenador-geral que deveria vir a desempenhar com efeitos a partir da temporada 2016-2017 decorrem, na sua opinião, de uma “figura de retórica”, já que “as programações continuariam a ser da responsabilidade dos directores e dos administradores”.
Quando confirmou a nomeação de Pinto Ribeiro para coordenador-geral da programação – um cargo que até aqui não existia na Gulbenkian -, a directora de comunicação da fundação fez questão de sublinhar que a ideia não era tê-lo a substituir os directores dos serviços. O que se esperava do director do Próximo Futuro era que fosse "um coordenador de programadores", e não um megadirector artístico. Ora, Pinto Ribeiro não se revê num cargo que classifica como o de “técnico de coordenação”: “Não posso aceitar que, tendo sido convidado para este cargo, encontre já a maior parte da programação definida e, no caso das exposições, praticamente desenhada até Junho de 2017.”
O programador do Próximo Futuro, que deveria terminar no final de 2016, estava em negociações para ocupar o novo cargo desde o Verão do ano passado. Negociações essas que se prolongaram e que acabaram por ter o desfecho que esta sexta-feira foi dado a conhecer - um pedido de demissão que é feito em ruptura com o projecto artístico da administração. “Tem havido na Gulbenkian uma tendência para o fechamento que se acentuou nos últimos anos”, explicou, acrescentando que “a fundação não pode continuar a programar como se fosse uma ilha isolada por onde o resto do mundo não passa, como se fosse um ilha que não olha para o resto do mundo”.
Uma longa colaboração
António Pinto Ribeiro nasceu em Lisboa em 1956 e fez a sua formação nas áreas da Filosofia, das Ciências da Comunicação e dos Estudos Culturais, as mesmas em que hoje desenvolve a sua actividade de académico e conferencista. Com vários livros publicados nos domínios do ensaio e da ficção e uma longa carreira como comissário de exposições e programador cultural, tem na sua ligação à Culturgest – foi director artístico nos dez primeiros anos de vida da instituição – um dos cargos de maior visibilidade pública.
A sua relação com a Gulbenkian remonta aos tempos do Acarte, o Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte que foi agregado ao Centro de Arte Moderna em 1999. É aí que começa como assessor de Madalena Perdigão, retomando os laços com a fundação em 2004, ano em que assume a coordenação do Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística (até 2008). Ainda durante este período, mais precisamente em 2006, cria o fórum cultural O Estado do Mundo, o embrião do Próximo Futuro, cuja direcção assegura, como colaborador, desde 2009.
Pinto Ribeiro deverá deixar a fundação a 15 de Setembro, dia em que termina a nova edição do Próximo Futuro (começa oficialmente a 18 de Junho, embora o debate de 15 de Maio já lhe esteja associado). “Devido aos compromissos assumidos com os participantes e à divulgação feita, pedi ao conselho de administração que autorizasse a próxima edição e o conselho autorizou. Saio no dia em que o Próximo Futuro acaba.”
O programador vai manter a actividade académica e de escrita, mas diz não saber ainda o que se segue na sua carreira profissional.
com Seomara Pereira
Notícia actualizada às 18h30. Corrigida gralha no nome da editora Chili com Carne.