Capitão Falcão, uma paródia a um super-herói fascista
Festival arranca nesta quinta-feira com uma programação re-arrumada e três sessões de abertura para explicar que o cinema independente não é uma coisa chata.
E é (também mas não só) por isso que a comédia de João Leitão Capitão Falcão dá, nesta quinta-feira às 18h30 no cinema São Jorge, o “pontapé de saída” da 12ª edição do Festival Internacional de Cinema Independente, que se prolonga até 3 de Maio. Não é a única comédia do programa do festival, nem é a única sessão de abertura de um primeiro dia que terá nada menos de três momentos de arranque (já lá vamos).
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E é (também mas não só) por isso que a comédia de João Leitão Capitão Falcão dá, nesta quinta-feira às 18h30 no cinema São Jorge, o “pontapé de saída” da 12ª edição do Festival Internacional de Cinema Independente, que se prolonga até 3 de Maio. Não é a única comédia do programa do festival, nem é a única sessão de abertura de um primeiro dia que terá nada menos de três momentos de arranque (já lá vamos).
Mas a presença de Capitão Falcão nada tem de casual. A comédia sobre um super-herói fascista que, nos anos 1960, defende a pátria portuguesa dos inimigos que querem acabar com o regime de Salazar, é uma paródia subversiva ao Estado Novo, começou com uma curta-metragem-piloto para uma possível série televisiva. Depois dos canais portugueses não terem pegado no projecto, o realizador João Leitão e o actor Gonçalo Waddington empenharam-se em fazê-la acontecer como longa, produzida de modo independente.
Capitão Falcão estreia hoje em todo o país com 45 cópias, num lançamento francamente mais alargado do que é habitual para um filme mostrado no programa do Indie, e Valverde, um dos directores do certame, evoca ao PÚBLICO a relação muito próxima com Waddington, presente em inúmeros filmes seleccionados ao longo dos últimos 12 anos. “Este é um projecto em que ele se empenhou pessoalmente, e que defende como um tipo de comédia diferente do habitual. E estamos com este tipo de cinema, com a ideia de que este filme tem a ver connosco. Além disso, normalmente a abertura, aqui como em Cannes ou Veneza, é uma sessão festiva que não reflecte forçosamente as selecções competitivas.”
Essa ideia de “sessão festiva” é importante para explicar a “desmultiplicação” da primeira noite do festival em três aberturas oficiais desfasadas no tempo e no espaço. Capitão Falcão, inerentemente a mais “mediática” do lote, é a primeira das três. Segue-se, também no São Jorge e às 21h30, uma sessão em parceria com o festival Os Dias da Música, que decorre no CCB este fim-de-semana: um concerto do quarteto de cordas Alis Ubbo Ensemble antecedendo a projecção de Around the World in 50 Concerts, filme da documentarista Heddy Honigmann (alvo de retrospectiva no festival de 2010) que acompanha uma tournée da Orquestra Real do Concertgebouw de Amesterdão. Finalmente, também às 21h30 mas na Culturgest, a projecção em ante-estreia de Enquanto Somos Jovens, o novo filme de Noah Baumbach (A Lula e a Baleia, Frances Ha) com Ben Stiller, Naomi Watts e Amanda Seyfried nos papéis principais e estreia marcada para Junho, corresponde a uma abertura mais “tradicional”.
Três portas de entrada possíveis, então, para dez dias de cinema. Que correspondem para Nuno Sena, o outro director do Indie, à tal lógica de desmistificar o cinema independente: “O Noah Baumbach, por exemplo, não precisa do Indie, mas é uma porta de entrada para um público mais desatento ou menos informado. Ter filmes de maior visibilidade traz um público que pode em seguida ir à descoberta.”
Também para ajudar a essa descoberta, os filmes surgem este ano “arrumados” de outra maneira, naquela que será a diferença mais visível da edição 2015. Fora das secções temáticas como o IndieMusic ou o IndieJunior, a programação não-competitiva é reorganizada numa nova mega-secção, chamada Silvestre em homenagem ao filme de João César Monteiro, com um “caldeirão” de filmes “fortes e fora de formato”. É, mais uma vez, uma opção de “des-estigmatizar”, como explica Sena: “É uma arrumação que elimina algumas divisões por vezes arbitrárias e pouco claras; parece-nos mais fiel à missão do festival de ser um convívio plural entre géneros e autores. Representa melhor o espírito do Indie.” Em paralelo, uma outra secção nova “à experiência”, Boca do Inferno, quer abrir espaço para “filmes de culto” e tangentes ao cinema de género que pareciam navegar desamparados nas edições anteriores.
A questão, contudo, é inevitável: um festival, qualquer festival, está sempre dependente da “colheita” do ano em que se realiza, e do jogo diplomático que envolve concorrentes, exclusivos, ante-estreias, distribuidores, parceiros... “Claro que comparativamente a 2003, há uma dificuldade acrescida em programar: este ano vimos 4500 filmes, quando no primeiro ano começámos com mil”, admite Sena, exemplificando com o ano passado, onde o Grande Prémio foi entregue ao filme do chileno Alejandro Fernández Almendros, Matar a un Hombre. “No ano passado sentimos um certo esgotamento de um modelo narrativo, e por isso a competição atirou para lados completamente diferentes, menos evidentes. Este ano, há um regresso de um cinema mais clássico porque nos pareceu que não eram apenas meras repetições de fórmulas, traziam alguma coisa de novo.”
Esse trazer algo de novo – patente em obras de origens tão distantes como Güeros do mexicano Alonso Ruizpalacios, Sivas do turco Kaan Müjdeci ou Ela Volta na Quinta do brasileiro André Novais Oliveira – é fulcral para o festival. “Não queremos marcar passo”, diz Sena. “Não nos queremos limitar a acompanhar, tentamos também antecipar. E se neste momento temos uma margem de manobra para fazer isso é também porque já temos um histórico para trás, é mais simples chegar a certos autores.” Como é o caso dos dois Heróis Independentes da edição 2015, reflectindo o misto de presente e futuro em que o Indie aposta: a francesa Mia Hansen-Løve, um dos raros nomes do jovem cinema francês que tem chegado regularmente às nossas salas (O Pai dos Meus Filhos, Um Amor de Juventude), e Whit Stillman, um dos mais singulares e idiossincráticos nomes do cinema “indie” americano, cujos filmes nunca foram exibidos por cá. “Passados 12 anos de Indie, é difícil encontrar retrospectivas originais que não tenham sido feitas por mais ninguém em Portugal. Por isso, encontrar o Whit Stillman como território 'virgem' é uma felicidade.”
Não por acaso, os filmes de Stillman – Transmetropolitan, Barcelona, The Last Days of Disco e Damsels in Distress – são comédias. Mais uma acha para acabar com o estigma.
Notícia actualizada às 15h17 com introdução de sinopse de Capitão Falcão