PS quer reverter austeridade em metade do tempo proposto pelo Governo
PSD não esperou pelo fim da apresentação do cenário para denunciar o "caminho miraculoso". CDS ainda fez umas "contas iniciais" para concluir pela "irresponsabilidade" socialista.
Cinco dias depois de o Governo ter dito que planeia acabar com a sobretaxa de IRS e com os cortes salariais na função pública no prazo de quatro anos, o PS elevou a parada, e aposta agora na inclusão no seu programa eleitoral de uma reversão total das medidas no prazo de dois anos, ou seja, em 2016 e 2017.
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Cinco dias depois de o Governo ter dito que planeia acabar com a sobretaxa de IRS e com os cortes salariais na função pública no prazo de quatro anos, o PS elevou a parada, e aposta agora na inclusão no seu programa eleitoral de uma reversão total das medidas no prazo de dois anos, ou seja, em 2016 e 2017.
Para além da maior velocidade prevista a retirar a austeridade na função pública e no IRS, os economistas escolhidos pelo PS vão mais longe nas medidas destinadas a aumentar de forma rápida o rendimento disponível dos portugueses.
E a principal via encontrada é a redução da taxa aplicada nas contribuições dos trabalhadores à Segurança Social. É proposta uma redução gradual entre 2016 e 2018, passando o valor dos 11% actuais para 7%. A partir daí, a taxa volta a subir novamente até aos 11%, mas de forma ainda mais gradual, de 0,5 pontos ao ano até 2026.
Isto significa que os trabalhadores (somente os com menos de 60 anos) sentiriam, nos próximos anos, um acréscimo do seu salário líquido, que se juntaria ao da redução da sobretaxa. Mas ficariam também com uma certeza: as suas pensões no futuro seriam mais baixas, na proporção daquilo que deixariam agora de contribuir, numa diminuição estimada entre 1,2% e 2,6%, para aqueles que se reformam a partir de 2021.
O que é certo é que, no curto prazo, o PS está a apontar por fazer crescer o rendimento disponível dos portugueses de forma acelerada. Em 2016, o crescimento estimado para este indicador é de 2,6% e em 2017 de 4,1%, mais 1,6 pontos do que o previsto pela Comissão Europeia.
E muito por força deste indicador que o PS vê a economia a acelerar, logo para 2,4% em 2016 e depois para 3,1% em 2017, nas costas do consumo privado e do investimento, mas também sustentado numa variação das exportações de 6,3% em 2017, mais um ponto do que o previsto por Bruxelas.
O PS acredita que este modelo de crescimento baseado no consumo principalmente nos próximos dois anos, embora tenha um impacto negativo na balança de transacções, não significará um regresso da economia aos défices com o exterior.
Com a economia a disparar, o grupo de trabalho nomeado pelo PS projecta que os indicadores orçamentais podem resistir ao aumento da despesa e perda de receita trazidas pelas medidas propostas. Em 2016 e 2017, o impacto das propostas agora feitas é de agravamento do défice face às previsões de Bruxelas, mas somente de 0,2 e 0,3 pontos percentuais respectivamente. Para os anos seguintes, o efeito é positivo.
Mário Centeno explicou que este impulso de curto prazo dado à economia serve para Portugal “ganhar tempo” para poder colocar em marcha as reformas estruturais que podem fazer a economia crescer mais no futuro.
É verdade que também há algumas medidas destinadas a recolher mais receitas, como a travagem da redução do IRC ou a criação de um imposto sobre as grandes heranças de património. Mas o seu efeito é bastante reduzido quando comparado com as medidas que aumentam a despesa e diminuem a receita.
O compromisso de Costa
O que ressaltou da intervenção de António Costa foi o vínculo que o líder socialista assumiu aos números contidos no relatório. Depois de garantir que o documento revelado nesta terça-feira “não substitui o programa eleitoral” socialista, a apresentar a 6 de Junho, o secretário-geral do principal partido da oposição acrescentou que as propostas aí contidas teriam de “passar pelo teste deste cenário”. Afinal, o propósito primeiro da iniciativa de convidar um conjunto economistas era mesmo de “credibilização” dos compromissos socialistas. “Rigor”, frisou António Costa, antes de mais à frente insistir nesse balizamento realista. Falando do cenário apresentado por Mário Centeno – um economista distante do PS – reconheceu estar perante “medidas que inspiram e motivarão as medidas do programa de governo” socialista. Mas para evitar acusações de cedência total também defendeu o “primado da política” sobre os tecnocratas. “Estamos todos cansados de ser governados por modelos macro-económicos”.
Pelo meio da sua intervenção, Costa assegurava, ainda assim, que o cenário traçado se desviava do ambiente de austeridade imposto pelo actual Governo. "O que este estudo revela é que há alternativa às políticas que têm sido seguidas, e que é possível virar a página das políticas de austeridade”, afirmou ainda antes de acrescentar que o roteiro traçado tinha outra virtude: “Este estudo demonstra que com outras políticas é possível ter melhores resultados económicos."
Ainda Centeno apresentava o relatório e já o PSD falava em “caminho miraculoso”. O deputado Matos Correia não esperou para ler o documento para afirmar que “se o caminho miraculoso que o PS descobriu tivesse pés para andar, não havia nos países da Europa comunitária a tendência que tem vindo a ser seguida do ponto de vista da consolidação orçamental e da sustentabilidade". O CDS demorou mais tempo a falar da “irresponsabilidade”. “Tudo isto totaliza um impacto total, seja de perda de receita, seja de aumento de despesa, de cerca de 3.020 milhões de euros. Segundo as nossas contas iniciais, isto representa cerca de 1,8% do PIB de impacto orçamental”, denunciou a deputada Cecília Meireles, também no Parlamento.
Mas a convicção de Costa estava alicerçada nos números encontrados para o crescimento e défice. Com o pacote de medidas de apoio à “recuperação dos rendimentos de famílias no curto prazo” e as “medidas estruturantes para vingar a médio prazo”, o resultado final seria “mais virtuoso”. Em quatro anos, a economia cresceria “em média, 2,6%”, o défice estaria nos 0,9% em 2019.
Serão estes números as armas que Costa utilizará hoje na Comissão Política do PS. Para disfarçar medidas que poderiam gerar contestação no PS mais à esquerda. Afinal, o relatório flexibiliza as regras do despedimento individual. Propõe uma redução de quatro pontos percentuais na TSU das empresas, que Passos Coelho não conseguiu fazer passar nestes últimos quatro anos. O relatório admite até que um eventual governo do PS venha a aceitar mais privatizações. Com respaldos, é certo: “Sempre que a privatização ou concessão seja a solução adoptada, interessa fazer uma análise objectiva sobre o método a prosseguir.” Mas da sondagem feita aos dirigentes socialistas não é de esperar contestação interna ao relatório.