Sri Lanka: uma tareia de humildade

Do menino engravatado a caminho da escola, ao velho das rugas e de mãos calejadas, passando pelo cristão, budista, muçulmano e hindu, o ADN da simplicidade era o mesmo

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Pedro Marques Silva

O Sri Lanka é uma ilha com cerca de metade do tamanho de Portugal e com o dobro da população. As grandes cidades ou as localidades com maior desenvolvimento mostram-nos o caos nas estradas, o lixo nos cantos e o barulho da rotina. Deixámos Colombo, a capital, nas primeiras horas e rumámos para o centro da ilha. As experiências de autocarros ensardinhados e de comboios de longa duração conseguiram fazer com que ganhássemos estrutura interior nos testes ao limite da nossa paciência. Somos capazes de tudo depois do que esperámos e vivemos naqueles transportes.

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O Sri Lanka é uma ilha com cerca de metade do tamanho de Portugal e com o dobro da população. As grandes cidades ou as localidades com maior desenvolvimento mostram-nos o caos nas estradas, o lixo nos cantos e o barulho da rotina. Deixámos Colombo, a capital, nas primeiras horas e rumámos para o centro da ilha. As experiências de autocarros ensardinhados e de comboios de longa duração conseguiram fazer com que ganhássemos estrutura interior nos testes ao limite da nossa paciência. Somos capazes de tudo depois do que esperámos e vivemos naqueles transportes.

No Sri Lanka, não nos faltou nada: templos, história, cultura, paisagens pornograficamente bonitas e praias de sonho. Mas houve algo que superou as nossas expectativas: o povo, aquela gente e toda a sua maneira de ser. À primeira vista, pareciam-nos mal-encarados, olhavam muito e com um ar suspeito. Mas bastava um simples gesto, como um sorriso da nossa parte, para que as suas feições ganhassem outra forma. Para eles, aquilo fazia diferença no seu dia-a-dia. Para nós, era motivo de conversa. Do menino engravatado a caminho da escola, ao velho das rugas e de mãos calejadas, passando pelo cristão, budista, muçulmano e hindu, o ADN da simplicidade era o mesmo. Não era nas palavras nem nas páginas do livro sagrado de cada uma das religiões que vinha o mandamento. Era na vida, no exemplo e no caminho feito com a passagem dos anos. O amor, a bondade e o carinho pelo outro eram intrínsecos a cada uma daquelas diferentes pessoas; fechassem elas as mãos e os olhos para uma cruz ou olhassem para cima de mãos e braços abertos.

Sentimo-nos pequenos quando nos apercebemos que há muito mais a acontecer para além do trabalho, da rotina, da política e de tudo o que possam ser os elos de ligação entre eles. Houve quem viesse a correr o mais rápido que conseguia apenas e só para chegar à nossa frente e dizer “hello”, antes que o autocarro partisse. Para essa criança, o essencial era conseguir olhar para nós só uma vez mais. Nem que fosse a última na sua vida. Ou, pelo menos, conhecer o som da nossa voz.

O pescador e o empresário

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Pedro Marques Silva

Quando Portugal era a resposta à sua pergunta, o nome Cristiano era a palavra seguinte. Conversas curtas, pequenas palavras, muito para admirar. A grandeza daquela gente fazia-se presente nos gestos e nas palavras de cada um dos nativos. Quem diria que aquele senhor de camisa, calças e chinelos que varria as folhas do cemitério tinha um conhecimento histórico da época dos "descobrimentos" capaz de calar qualquer doutorado? Ou o maquinista do "slow train" que não descansava enquanto não nos mostrava onde dormia dentro da estação, para conseguir repor o sono e ir ter com a mulher mais descansado? O pescador viu aproximar-se um rapaz com uma câmara fotográfica, largou o que estava a fazer na costa e subiu aos postes dentro de água para fazer pose para a fotografia. Ele nunca a irá ver, nós iremos recordá-la.

Quem trabalhava nas plantações de chá de sol a sol, tinha que conseguir arrecadar 50 quilogramas de plantas nos cestos. Só assim conseguiriam ganhar 650 rupias, cerca de quatro euros e meio. Eles não só estavam dispostos a fazê-lo como nos davam uma tareia de humildade quando respondiam que adoravam trabalhar com aquela vista. Valia mais que a sala da administração no topo do prédio.

Na viagem, conheci uma parábola. Um pescador vivia numa casa em cima da praia com vista para o mar, com a sua mulher e os seus filhos. Era dos melhores pescadores da zona. Quando um jovem empresário, numa das suas férias, se cruzou com o pescador e reparou no seu talento, perguntou-lhe por que é que ele não abria uma fábrica ou algo onde conseguisse trabalhar com o peixe e fazer o triplo do dinheiro. O pescador hesitou e perguntou: “Mas por que é que eu haveria de fazer isso?”. O empresário respondeu que se tratava de alcançar um nível de vida melhor, de ter mais dinheiro, para um dia conseguir ter uma casa na praia, descansar com a sua mulher, filhos e netos sem qualquer preocupação. Ele disse que não. Já tinha essa vida.