Os pressupostos falhados do acordo ortográfico
O acordo ortográfico não unificou a escrita nem abriu um mercado único de edições. Serviu para quê?
O PÚBLICO, nascido no mesmo ano que é atribuído ao chamado Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa, vulgo AO90, partilhou-a ao longo destes 25 anos assumindo uma posição clara, rejeitando a sua aplicação. Fê-lo logo em 1991, quando o seu primeiro director (e fundador) Vicente Jorge Silva assinou um texto conjunto com directores de outras publicações (como Miguel Esteves Cardoso e Miguel Sousa Tavares, numa iniciativa incentivada por Vasco Graça Moura) onde se referia que nas publicações que dirigiam o AO90 não seria aplicado. Passado um quarto de século, é legítimo perguntar se tal posição faz, ainda hoje, sentido.
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O PÚBLICO, nascido no mesmo ano que é atribuído ao chamado Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa, vulgo AO90, partilhou-a ao longo destes 25 anos assumindo uma posição clara, rejeitando a sua aplicação. Fê-lo logo em 1991, quando o seu primeiro director (e fundador) Vicente Jorge Silva assinou um texto conjunto com directores de outras publicações (como Miguel Esteves Cardoso e Miguel Sousa Tavares, numa iniciativa incentivada por Vasco Graça Moura) onde se referia que nas publicações que dirigiam o AO90 não seria aplicado. Passado um quarto de século, é legítimo perguntar se tal posição faz, ainda hoje, sentido.
Pois bem: os pressupostos do AO90, agora que ele se encontra disseminado à força (embora sem ser, ainda, lei), foram gorados na sua quase totalidade. Pretendia-se pôr fim a uma “deriva ortográfica”, mas no lugar onde havia duas ortografias de base geográfica bem determinada (a luso-africana e a brasileira) existem agora três ortografias, as anteriores e a do acordo, que conseguiu até o prodígio de tornar diferentes mais de meio milhar de palavras que em Portugal e no Brasil se escreviam da mesma maneira; além disso, com a admissão de duplas grafias e facultatividades perdeu-se a noção de ortografia, não sendo possível, em exames, alunos e professores entenderem-se quanto às normas. Se ortografia “à vontade do escrevente” é admissível, a ortografia acabou. E qualquer acordo será inútil.
Por outro lado, havia a miragem dos mercados. O governo de Sócrates, ao longo da sua existência, recorreu a dois estratagemas para acelerar o acordo: aprovou, logo em 2005, o 2.º Protocolo Modificativo do AO para que pudesse ser aplicado só com a ratificação de três países, dispensando o apoio dos restantes signatários do tratado original; e, em 2011, já de saída do poder, antecipou em vários anos a sua aplicação no Estado (para Janeiro de 2012) e nas escolas (no ano lectivo de 2011/2012). Esta “pressa” tinha por objectivo selar um acordo político entre Portugal e o Brasil, dispensando o resto. Mas os que, dali, esperavam benefícios rápidos esmoreceram. Não existe hoje um mercado “comum” de edições, como falsamente se propagandeou. E a confusão de grafias com as novas regras só tem estimulado a “deriva” que se criticava, multiplicando os erros.
Malaca Casteleiro, um dos mentores do AO90, diz agora ao PÚBLICO que “se não houvesse esta necessidade de um acordo com o Brasil, não era necessário estar a mexer na ortografia”. Pegando nas suas palavras, um exemplo prático: o PÚBLICO, que não aderiu ao AO90, tem com o Brasil neste momento várias parcerias efectivas (com edições, iniciativas partilhadas e presença física no maior portal do Brasil, o UOL) e sem mexer uma vírgula na chamada “anterior ortografia”. É este o nosso “acordo”. Com a língua portuguesa e com os leitores. Se outro acordo houver, que seja digno, útil e não um atentado contra a inteligência. Desta já se abusou, convenhamos, em demasia.