Fêmea de lince encontrada morta em Mértola foi envenenada

Equipa da GNR vai agora vasculhar a região para detectar a presença de venenos.

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No total, seis animais já foram soltos no âmbito deste programa em Portugal Público/arquivo

A fêmea Kayakweru tinha sido libertada na zona dia 25 de Fevereiro, no âmbito de um programa de reintrodução em Portugal desta espécie, única da Península Ibérica e ameaçada de extinção. No total, seis animais já foram soltos. Mas Kayakweru apareceu morta duas semanas depois, dia 12 de Março, sem nenhuma explicação imediatamente aparente.

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A fêmea Kayakweru tinha sido libertada na zona dia 25 de Fevereiro, no âmbito de um programa de reintrodução em Portugal desta espécie, única da Península Ibérica e ameaçada de extinção. No total, seis animais já foram soltos. Mas Kayakweru apareceu morta duas semanas depois, dia 12 de Março, sem nenhuma explicação imediatamente aparente.

Só agora, quase um mês depois, surgem os resultados das análises, que indicam morte por envenenamento. O comunicado do ICNF não esclarece que veneno foi identificado, nem fornece nenhuma explicação suplementar.

Uma das hipóteses, porém, é a de que o lince tenha sido vítima de uma prática ilegal e persistente no país, a de matar predadores da caça – como raposas ou saca-rabos – com venenos que se podem comprar livremente em qualquer drogaria. Pedaços de carne contaminados com doses elevadas de pesticidas e ou com produtos para matar caracóis são um veículo comum nestes casos.

“O lince pode ter encontrado iscos que estavam destinados a outras espécies”, avalia o veterinário Ricardo Brandão, membro da equipa que coordena o Programa Antídoto, uma plataforma lançada em 2004 para combater a utilização ilegal de venenos em Portugal.  “Ainda há gestores de caça que acham que o envenenamento é uma forma eficaz de controlar predadores”, completa Brandão, dizendo que a região do vale do Guadiana “é problemática”.

Venenos também são usados em conflitos de vizinhos, relacionados com cães, ou no controlo de predadores do gado.

Na sequência deste episódio, uma brigada cinotécnica – cão e treinador – do Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente da GNR (Sepna) vasculhará a região para detectar a presença de venenos. O ICNF, diz o comunicado, “continuará a desenvolver todos os esforços necessários à minimização de riscos de morte, quer como o que vitimou Kayakweru, quer por utilização de laços ou outras armadilhas que possam ameaçar a boa reintrodução desta espécie”.

O programa de reintrodução dos linces em Portugal previa a libertação de dez animais no vale do Guadiana. Quatro ainda aguardam a sua vez.

A monitorização dos animais tem sido feita à distância, através de coleiras que transmitem a sua posição via rádio e por foto-armadilhas instaladas na zona onde estão a ser libertados.

Foi este sistema de monitorização que permitiu identificar que algo não estava bem com Kayakweru. A fêmea estava a ter comportamentos normais mas, de um dia para o outro, deixou de se mover. Estava morta.

Segundo Ricardo Brandão, o número de ocorrências de envenenamentos de animais selvagens em Portugal tem vindo a cair nos últimos anos, mas isto reflecte sobretudo o facto de se estar a dar menos atenção ao problema. “A luta contra os venenos tem estado estagnada”, diz.

Pelo seu simbolismo e por ser o lince a espécie ameaçada mais emblemática de Portugal, a morte de Kayakweru possivelmente integrará a lista dos casos mais importantes de envenenamento de animais selvagens no país. O maior de todos, pela sua dimensão, ocorreu em Idanha-a-Nova, em 2003, quando 33 grifos, três abutres-pretos e três milhafres-reais morreram depois de se alimentarem de cadáveres de ovelhas contaminados com veneno, presumivelmente para matar cães assilvestrados que estavam a atacar o gado.

No papo das aves, foram encontrados os brincos de identificação das ovelhas, que indicavam claramente a sua proveniência. O caso foi três vezes investigado, mas três vezes arquivado.

O envenenamento de Kayakweru está agora nas mãos do Ministério Público em Beja, segundo o comunicado do ICNF.