Quantos gatos para apanhar um rato?
O relatório preliminar da comissão de inquérito ao caso BES é equilibrado e faz sugestões válidas.
Coube ao social-democrata Pedro Saraiva ser o relator de uma comissão de inquérito cujos trabalhos foram elogiados de forma quase unânime por terem ajudado a esclarecer o que provocou o colapso do BES. E o relatório preliminar não desilude. Assume, como já seria de esperar, que há muito que fica por explicar; afinal, uma comissão de inquérito não é uma polícia, nem um tribunal. Continuamos todos sem saber onde foram parar os 3,3 mil milhões de euros que desapareceram do banco do BES em Angola e a origem e o destino do dinheiro que passava pela ES Enterprise, que se suspeita ter sido uma espécie de “saco azul” dentro do grupo.
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Coube ao social-democrata Pedro Saraiva ser o relator de uma comissão de inquérito cujos trabalhos foram elogiados de forma quase unânime por terem ajudado a esclarecer o que provocou o colapso do BES. E o relatório preliminar não desilude. Assume, como já seria de esperar, que há muito que fica por explicar; afinal, uma comissão de inquérito não é uma polícia, nem um tribunal. Continuamos todos sem saber onde foram parar os 3,3 mil milhões de euros que desapareceram do banco do BES em Angola e a origem e o destino do dinheiro que passava pela ES Enterprise, que se suspeita ter sido uma espécie de “saco azul” dentro do grupo.
Mas as 400 páginas do relatório preliminar não se limitam a relatar factos e a levantar suspeitas e interrogações. Também apontam o dedo aos responsáveis do banco e aos reguladores. Sobre Ricardo Salgado, diz o relator, é "provável" que tenha "estado envolvido na ocultação de contas", facto que esteve na origem do colapso do banco. Caberá agora à justiça fazer o que só cabe à justiça fazer.
Em relação aos reguladores, Pedro Saraiva não é meigo sobre o papel que foi, ou que deveria ter sido, desempenhado pelo Banco de Portugal. Diz que, à luz do que hoje se sabe, o supervisor terá agido de "forma porventura excessivamente prudente". Conclui que uma atitude "porventura mais assertiva da parte do Banco de Portugal" poderia ter conduzido "a uma antecipação e eventual diminuição dos impactos decorrentes" do colapso do banco. Fala em "inércia" e "demora" por parte do BES e do GES em implementar as recomendações do Banco de Portugal, naquilo que, em linguagem coloquial, o relatório diz que pode ser interpretado como um verdadeiro "jogo do gato e do rato".
E o relatório vai ainda mais longe. Entre as 36 recomendações sugeridas, e usando de novo a analogia do "jogo do gato e do rato", Pedro Saraiva questiona sobre a necessidade de haver tantos "gatos" para apanhar um "rato"; ou seja, se é necessário que em Portugal haja três reguladores que se atropelam e têm por vezes posições muitas vezes contraditórias entre si. E recomenda que o Parlamento deve analisar "as vantagens e as desvantagens da existência de uma ou duas entidades de supervisão para toda a área financeira".
É uma posição que está longe de ser consensual e percebeu-se pela reacção dos deputados Abreu Amorim e Cecília Meireles, que contestaram logo a proposta de criar um supervisor financeiro único, já que os actuais três funcionam todos debaixo do mesmo chapéu, o conselho geral de supervisão financeiro.
Mas a verdade é que a recente polémica sobre quem deve reembolsar o papel comercial aos clientes lesados do BES é a prova de que cada regulador olha para o lado que mais interessa. Ainda esta quarta-feira a CMVM veio dizer que, em termos jurídicos, é o Novo Banco quem deve pagar aos clientes, rebatendo um a um os argumentos do Banco de Portugal, que defende precisamente o contrário.