Uma lei, muitos atrasos e algumas excepções

A troika pediu mais independência e poder e o Governo criou uma lei-quadro que causou polémica desde o início. Ao fim de ano e meio, continua por aplicar a 100% e houve quem tivesse direito a atalhar caminho

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Ministra das Finanças permitiu que salários da CMVM e na ASF fossem equiparados aos do Banco de Portugal Daniel Rocha

O ponto incluído no memorando de entendimento, onde se previa que fosse garantida “a independência e os recursos necessários” aos reguladores, foi materializado numa lei, aprovada ainda no Verão de 2013. A polémica estalou bem antes de o diploma chegar a Conselho de Ministros, com os reguladores a reclamarem que as novas regras impunham mais amarras, em vez de responderem aos apelos de reforço da autonomia.

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O ponto incluído no memorando de entendimento, onde se previa que fosse garantida “a independência e os recursos necessários” aos reguladores, foi materializado numa lei, aprovada ainda no Verão de 2013. A polémica estalou bem antes de o diploma chegar a Conselho de Ministros, com os reguladores a reclamarem que as novas regras impunham mais amarras, em vez de responderem aos apelos de reforço da autonomia.

O controlo ao nível da gestão e dos salários pagos aos administradores foram dois dos temas mais críticos. Tanto que, por exemplo no caso dos vencimentos, a lei chegou a ter uma versão bastante mais restritiva, que os equiparava ao do primeiro-ministro, mas o Governo acabou por recuar. E, quando o diploma chegou ao Parlamento, pedia-se apenas que fossem tidas em conta as circunstâncias económicas do país na definição das remunerações.

Foi, mais tarde e sob forte pressão, que deputados dos partidos que suportam a maioria governamental, PSD e CDS, sugeriram uma alteração que haveria de vingar: um dos critérios que passou a ser tido em conta na definição dos salários foi a remuneração do primeiro-ministro, mas apenas com carácter indicativo. Qualquer desvio terá, porém, de ser bem fundamentado pelas comissões de vencimentos cuja existência também passou a estar prevista em cada um dos reguladores.

A lei-quadro haveria de ser publicada em Diário da República em Agosto, mas o Governo adiou durante meses a fio a sua aplicação. Ainda hoje, há um dos reguladores previstos no diploma, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), que ainda não foi criada efectivamente, faltando nomear a equipa de gestão.

Excepção nas Finanças
O diploma obrigava o executivo a adaptar os estatutos de cada uma das entidades reguladoras ao fim de 90 dias (final de Novembro de 2013), o que não aconteceu. Aliás, só em Dezembro do ano passado é que foram aprovados em Conselho de Ministros os últimos estatutos, sendo que a sua publicação em Diário da República (que os oficializa) só aconteceu há menos de um mês.

Além do atraso, foram-se sucedendo casos que causaram polémica. O primeiro logo bem cedo, quando, ainda antes de fazer chegar a proposta de lei ao Parlamento, o Governo decidiu conceder uma excepção ao Banco de Portugal e à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, isentando-os das novas regras previstas na lei-quadro.

Uma outra excepção foi confirmada, há pouco tempo, com a publicação dos estatutos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (o antigo Instituto de Seguros de Portugal). Tal como sempre tinham reclamado estes reguladores, foi incluída uma alínea nos estatutos que permite que os salários da administração sejam equiparados aos do Banco de Portugal.

De uma forma discreta, foi acrescentado um ponto nos critérios que têm de ser tidos em conta pelas comissões de vencimentos destes supervisores tutelados pelo Ministério das Finanças. A decisão mereceu fortes críticas por parte de um dos deputados do PSD que subscreveu a proposta que vingou para a definição dos salários de topo nestas entidades.

Na altura, Paulo Batista Santos referiu ao PÚBLICO que não via “nenhuma boa razão para que [a CMVM e a ASF] não cumpram as normas”. O social-democrata afirmava mesmo que, a manter-se esta excepção nos estatutos dos dois reguladores, “o Parlamento deverá voltar a revisitar essa norma [da definição dos vencimentos] para a clarificar”. Até agora, porém, não há registo que tenha sido dado algum passo nesse sentido.

Recondução à vista?
Os atalhos percorridos pelo Governo no percurso desenhado inicialmente pela troika não ficariam, no entanto, por aqui. Nos transportes, não é só a criação da AMT que está a gerar suspense. O regulador da aviação, que passou a designar-se por Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), também tem em aberto a composição do novo conselho de administração, já que o actual terminou o mandato em Novembro.

Na adaptação dos estatutos deste supervisor, o executivo não deixou claro que será seguida à risca uma das regras previstas na lei-quadro, que impede a recondução das equipas de gestão hoje em funções. Apesar de a própria Presidência do Conselho de Ministros ter emitido um parecer em que contraria esta visão, o Ministério da Economia defende que, por se tratar de uma nova entidade (já que antes se chamava Instituto Nacional da Aviação Civil) poderá haver lugar a renovação de mandato. E, por isso, os estatutos são omissos quanto àquela norma.

Tal como os novos administradores da AMT, em breve o caso da ANAC, cuja administração sempre deixou claro a vontade de ser reconduzida, será esclarecido, visto que o Governo terá de enviar os nomes dos gestores propostos para avaliação da comissão de recrutamento.