ADN dos gorilas-das-montanhas revela resistência à extinção
A sequenciação do genoma dos gorilas do Virunga, estudados pela primatóloga Dian Fossey, mostra que apesar da sua grande consanguinidade, eles têm conseguido resistir à extinção durante milhares de anos.
“Os gorilas estão divididos em duas espécies, a oriental e a ocidental, e os gorilas-das-montanhas são uma subespécie da espécie oriental”, disse ao PÚBLICO Aylwyn Scally, geneticista da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e um dos líderes do trabalho. “Os gorilas-das montanhas são diferentes dos outros porque, como vivem a maiores altitudes, isso tem consequências ao nível da sua dieta e fisiologia: por exemplo, têm uma pelagem mais densa e comprida.”
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“Os gorilas estão divididos em duas espécies, a oriental e a ocidental, e os gorilas-das-montanhas são uma subespécie da espécie oriental”, disse ao PÚBLICO Aylwyn Scally, geneticista da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e um dos líderes do trabalho. “Os gorilas-das montanhas são diferentes dos outros porque, como vivem a maiores altitudes, isso tem consequências ao nível da sua dieta e fisiologia: por exemplo, têm uma pelagem mais densa e comprida.”
Estima-se hoje que restam cerca de 880 gorilas-das-montanhas em África, o que coloca estes animais na lista dos mais ameaçados. “Perto de 480 vivem nas montanhas vulcânicas do Virunga e uns 400 na Floresta Impenetrável de Bwindi, a cerca de 30 quilómetros a norte”, acrescenta o cientista.
“O nosso estudo focou-se na população do Virunga, aquela mesma que foi estudada por Dian Fossey” – a primatóloga norte-americana assassinada em 1985 no Virunga e cuja vida inspirou o filme Gorilas na Bruma, protagonizado por Sigourney Weaver –, explica ainda Scally. “E no ano passado, estes gorilas também entraram num documentário intitulado Virunga. Aliás, nós sequenciámos o genoma de alguns dos gorilas que aparecem nesse filme!”
O número de gorilas do Virunga caiu para o seu mínimo – uns 250 – em 1981, devido à destruição do seu habitat e à caça, explica em comunicado o britânico Instituto Sanger do Wellcome Trust, cujos cientistas participaram no estudo. Mas desde então, os esforços do Conselho de Desenvolvimento do Ruanda e de entidades de conservação da natureza como os Gorilla Doctors (na qual está envolvida a Universidade da Califórnia) – apoiados pelos turistas amadores de gorilas –, fizeram aumentar esse número para os tais 480.
Os cientistas queriam conhecer o impacto de uma tal demografia na diversidade genética desses gorilas. E foi assim que constataram que os gorilas-das-montanhas têm estado de facto a adaptar-se geneticamente à sobrevivência em pequenos grupos.
A descoberta pode parecer paradoxal, uma vez que a consanguinidade costuma ter um efeito nefasto: quando a diversidade genética de uma população diminui, a sua vulnerabilidade aumenta. No entanto, no caso dos gorilas-das-montanhas, a consaguinidade tem um efeito benéfico.
Os cientistas conseguiram sequenciar o genoma destes animais porque, pela primeira vez, tiveram acesso a amostras de sangue de sete gorilas do Virunga (colhidas aquando de tratamentos médicos realizados na sequência de feridas provocadas por armadilhas). E a seguir, compararam-no com os genomas das outras subespécies de gorilas.
Confirmaram então que, de facto, a diversidade genética dos gorilas-das-montanhas é extremamente baixa – o que sugere fortemente que houve endogamia. Mas que, ao mesmo tempo – e aí reside a surpresa –, essa endogamia eliminou dos seus genes as mutações mais problemáticas.
“No geral, a endogamia continua sem dúvida a ser um problema para os gorilas-das-montanhas, porque amplifica as ameaças vindas das doenças e das mudanças ambientais ao reduzir a sua capacidade de adaptação”, diz Scally. “O que significa que estes animais são portadores de uma carga de mutações maior do que o resto dos gorilas. Mas o lado positivo é que aqui a consanguinidade permitiu extirpar do genoma algumas das mutações mais danosas.”
Este fenómeno não data de ontem, concluem ainda os cientistas com base numa análise genética que permite determinar a evolução do tamanho de uma dada população ao longo do tempo: parece ter começado há mais de 20.000 anos. “Quando fizemos esta análise nos genomas dos gorilas-das-montanhas, descobrimos que o tamanho desta população já diminuiu há muito tempo – há muitos milhares de anos”, diz-nos Scally.
“A nossa preocupação era que o vertiginoso declínio dos anos 1980 fosse catastrófico a longo prazo para os gorilas-das-montanhas”, diz o co-autor Yali Xue, do Instituto Sanger, citado pelo já referido comunicado. “Mas as nossas análises genéticas sugerem que os gorilas têm estado a lidar com pequenos tamanhos populacionais durante milhares de anos. Ao passo que níveis comparáveis de endogamia terão contribuído para a extinção dos nossos parentes neandertais, é provável que estes gorilas sejam mais resilientes. Portanto, não há razão para eles não continuarem a florescer durante muitos milhares de anos ainda.”