Hackers apagam emissões do TV5Monde em nome do Estado Islâmico

Canais, site e contas nas redes sociais ficaram nas mãos do grupo CiberCalifado. Grau de sofisticação leva Governo francês a reunir-se com outros grupos de media.

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A mensagem onde se tentam justificar os ataques de Janeiro em Paris AFP

Ainda é cedo para perceber quem são os verdadeiros responsáveis pelo ataque, mas o autodenominado CyberCaliphate (CiberCalifado), que se tem revelado particularmente activo desde o início do ano, deixou a sua marca por todo o lado: a bandeira negra e branca usada pelos jihadistas, vídeos de propaganda e ameaças contra os militares franceses.

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Ainda é cedo para perceber quem são os verdadeiros responsáveis pelo ataque, mas o autodenominado CyberCaliphate (CiberCalifado), que se tem revelado particularmente activo desde o início do ano, deixou a sua marca por todo o lado: a bandeira negra e branca usada pelos jihadistas, vídeos de propaganda e ameaças contra os militares franceses.

Os responsáveis revelaram documentos que dizem ser os bilhetes de identidade de familiares de soldados. E deixaram uma ameaça: "Militares de França afastem-se do Estado Islâmico! Têm a oportunidade de salvar as vossas famílias, aproveitem-na", lia-se numa das mensagens publicadas na conta no Facebook do TV5Monde. "Em nome de Alá, o Clemente, o Misericordioso, o CiberCalifado continua a realizar a sua ciberjihad contra os inimigos do Estado Islâmico."

Uma mensagem em particular acusava o Presidente François Hollande de ter cometido "um erro imperdoável" quando se envolveu "numa guerra que não serve para nada": a coligação internacional que bombardeia desde o Verão passado posições jihadistas no Iraque e na Síria. "É por isso", disseram os responsáveis pelo ataque, que os franceses receberam "os presentes de Janeiro" – uma referência ao massacre no jornal satírico Charlie Hebdo e numa mercearia kosher em Paris, em Janeiro.

"Je suIS IS"

Durante o ataque, a imagem principal da página do TV5Monde no Facebook continha a frase "Je suIS IS", um jogo de palavras entre a frase de protesto "Je suis Charlie" e a sigla ISIS (do inglês Islamic State of Iraq and the Levant, que o autoproclamado Estado Islâmico deixou de usar no ano passado).

O ataque foi lançado por volta das 22h (21h em Portugal continental) e deixou os canais completamente às escuras nas horas seguintes. Aos poucos, foi possível "começar a emitir programas em algumas zonas", mas os "sistemas ficaram extremamente deteriorados neste ataque, que teve uma força inédita", disse o director-geral do TV5Monde, Yves Bigot. O regresso à normalidade pode "demorar horas, talvez dias".

"Quando trabalhamos em televisão, e de repente ficamos a saber que os nossos 11 canais estão com os ecrãs negros, é evidentemente uma das coisas mais violentas que nos pode acontecer", disse o director-geral do grupo. "E é claro que quando descobrimos o conteúdo das mensagens que aparecem no conjunto das nossas redes sociais e dos nossos sites, isso permite-nos, por um lado, compreender o que se está a passar, mas deixa-nos ainda mais inquietos."

A escala e a sofisticação do ataque deixaram o Governo francês em alerta. A ministra da Cultura, Fleur Pellerin, anunciou uma reunião com os responsáveis pelas maiores estações de televisão e jornais do país nesta sexta-feira, para perceber se há mais vulnerabilidades, e de que forma poderão ser evitados futuros ataques semelhantes.

O ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, lembrou que as autoridades francesas já tinham elevado o nível de alerta contra possíveis ataques informáticos depois do massacre de Janeiro em Paris – e é também por isso que a operação do autodenominado CiberCalifado causou mais estupefacção. O primeiro-ministro, Manuel Valls, classificou-o mesmo como "um insulto inaceitável às liberdades de informação e de expressão", já que deixou às escuras os 11 canais de um grupo que chega a mais de 200 países, em oito línguas.

É difícil perceber se o ataque contra o TV5Monde foi mesmo organizado pelo grupo CiberCalifado – tão difícil como perceber se esse grupo é de facto constituído por militantes do Estado Islâmico, por hackers pagos pelo Estado Islâmico, por uma mistura das duas coisas, ou por qualquer outro grupo de hackers, com as mais variadas intenções.

O que ninguém pode negar é o grau de devastação e sofisticação do ataque – a agência Reuters avança que o sistema do grupo francês só voltará a ser o que era "dentro de meses", apesar de as transmissões terem sido retomadas ao final da tarde de quinta-feira.

O grupo que se apresenta como CiberCalifado começou a mostrar-se no início do ano, e os seus ataques têm provocado cada vez mais estragos – um possível indicador de que os responsáveis estão a conseguir recrutar cada vez mais hackers, cada vez mais capazes.

No início de Janeiro, o CiberCalifado atacou os sites e as contas no Twitter do Albuquerque Journal (no estado norte-americano do Novo México) e da estação WBOC 16, uma filial da CBS no estado do Maryland. No mesmo mês, embaraçou o Governo dos Estados Unidos, ao aceder às contas no Twitter e no Youtube do CentCom, o centro de comando norte-americano que tem como responsabilidade as operações no Médio Oriente e na Ásia Central.

Na altura, o Departamento de Estado norte-americano desvalorizou o ataque, descrevendo-o como uma "ciber-brincadeira", nas palavras do porta-voz do CentCom, o coronel Steve Warren. Também a ligação directa do grupo CiberCalifado ao autoproclamado Estado Islâmico foi posta em causa, devido ao uso da sigla ISIS: "Interessante. Duvido que seja mesmo o ISIS. O ISIS nunca se apresenta como ISIS", notou no Twitter Ali H. Soufan, um antigo agente do FBI.