Atenas sabe o que quer?

Mas Putin ainda não desistiu. A sua aposta é agora conquistar alguns países-membros mais vulneráveis ao fornecimento de energia russa ou com governos de cariz nacionalistas (sobretudo na Europa de Leste) para minar por dentro a política de sanções. A Grécia, com o Governo do Syriza, serve este objectivo. Mas também a Hungria, onde o primeiro-ministro Victor Órban se declara seu admirador (diz que passou o tempo da democracia liberal e que o modelo mais eficaz está em Moscovo, em Ancara ou em Singapura), ou a República Checa, cujo Presidente acaba de vedar o Castelo de Praga (a sua residência oficial) ao embaixador americano, por ter criticado a sua presença nas comemorações do 9 de Maio em Moscovo (o dia da rendição nazi à União Soviética), às quais a maioria dos líderes europeus não irá. O Presidente russo aposta num “cerco” nacionalista à Europa, envolvendo também os partidos nacionalistas europeus em ascensão, de Marine Le Pen a Nigel Farage.

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Mas Putin ainda não desistiu. A sua aposta é agora conquistar alguns países-membros mais vulneráveis ao fornecimento de energia russa ou com governos de cariz nacionalistas (sobretudo na Europa de Leste) para minar por dentro a política de sanções. A Grécia, com o Governo do Syriza, serve este objectivo. Mas também a Hungria, onde o primeiro-ministro Victor Órban se declara seu admirador (diz que passou o tempo da democracia liberal e que o modelo mais eficaz está em Moscovo, em Ancara ou em Singapura), ou a República Checa, cujo Presidente acaba de vedar o Castelo de Praga (a sua residência oficial) ao embaixador americano, por ter criticado a sua presença nas comemorações do 9 de Maio em Moscovo (o dia da rendição nazi à União Soviética), às quais a maioria dos líderes europeus não irá. O Presidente russo aposta num “cerco” nacionalista à Europa, envolvendo também os partidos nacionalistas europeus em ascensão, de Marine Le Pen a Nigel Farage.

A questão é que os países que se dão bem com Putin são pesos demasiado leves para conseguirem fazer mudar a estratégia europeia. Além disso, o investimento alemão é fundamental para as respectivas economias e os fundos europeus não são nada desprezíveis. Até agora, nenhum deles ousou ameaçar com um veto às sanções. O Governo de Atenas tem consciência de que a Rússia não é uma alternativa à Europa no que toca ao apoio financeiro de que vai continuar a precisar. As declarações de Tsipras em Moscovo foram suficientemente vagas e prudentes para não afrontar abertamente os seus parceiros europeus, a não ser com o próprio simbolismo da visita. Basta lembrar que o PIB russo é equivalente ao PIB holandês, com uma relação demográfica de 10 para um. O choque petrolífero e as sanções abriram um rombo na economia russa e na sua reserva de divisas. “A Rússia não é nem pode ser um substituto da União, só pode ser uma opção suplementar”, disse à BBC World Constantinos Filis, investigador do Instituto de Relações Internacionais. Natalie Nougayrède escreveu no The Guardian que Tsipras se arrisca a vir a fazer o papel de “idiota útil” (por sinal, uma frase de Lenine), deixado cair quando, e se, as relações da Europa com a Rússia tenderem a normalizar-se.

Merkel tomou a liderança da crise ucraniana, fazendo aquilo que toda a gente reclamava dela: que liderasse a Europa, não apenas de uma perspectiva estritamente económica. Mas a aprendizagem é lenta e a Alemanha ainda não está disposta a pagar o preço que uma liderança exige, encarando de frente o problema grego e criando rapidamente as condições para resolvê-lo. A forma como Berlim e Bruxelas estão a pressionar a Grécia pode ter todas as explicações, mas não deixa de ser “inexplicável” do ponto de vista da solidariedade europeia e dos seus valores tal como do seu interesse.

2. Alexis Tsipras não ignora o que está em jogo. Por isso, não se percebe qual foi a intenção do primeiro-ministro grego ao decidir ir a Moscovo nesta altura, antecipando uma visita marcada para 9 de Maio, afirmando alto e bom som que as sanções são “um caminho para parte nenhuma”. As idas e vindas do primeiro-ministro grego a Bruxelas, a Berlim ou a Paris parecem mais fruto da desorientação política, do que de uma estratégia pensada. É verdade que historicamente as relações entre a Rússia e a Grécia sempre foram fortes, incluindo através da Igreja Ortodoxa. O comércio entre os dois países é significativo. As raízes ideológicas dos vários movimentos que confluíram no Syriza alimentam uma cultura antiocidental. E, sobretudo, a rapidez com que o Syriza chegou ao poder não o preparou para compreender o funcionamento da Europa, obrigando-o a um pragmatismo ziguezagueante ao qual parece faltar qualquer consistência política.

Alguns analistas gregos vêem esta aproximação a Putin como uma tentativa de preparar um Plano B, fora do euro, caso o Plano A venha a falhar. Outros explicam-na apenas como uma forma de pressão sobre Berlim, quanto mais não seja por via de Washington. A “carta russa” contribui para aumentar a preocupação dos Estados Unidos, que olham para a Grécia do ponto de vista geopolítico, como país fundamental para a aliança transatlântica numa das regiões mais conturbadas do mundo. Mas até neste capítulo as análises dos think-tanks gregos convergem quase todas para a ideia de que não haverá, por enquanto, mudanças substanciais na forte relação da Grécia com a NATO. George Tzogopoulos, do think-tank grego Eliamep, escreveu no site do European Council on Foreign Relations que “a Grécia não está preparada para abandonar o dogma que domina a sua política externa desde o pós-guerra e que é um alinhamento com a União Europeia e a NATO”.

Merkel cede pouco a pressões, como os seus parceiros europeus já aprenderam. A exigência de um pagamento de 279 mil milhões de euros de reparações de guerra apresentada por Atenas não ajuda a desanuviar o ambiente. Ontem, foi o próprio vice-chanceler, o social-democrata Sigmar Gabriel, que classificou esta exigência de “estúpida”, uma palavra desagradável que não se usa nas relações entre europeus. A questão grega tem de estar fechada até ao final deste mês. Tudo o que azede as relações entre os dois países não ajuda. E fica ainda a pergunta: o que quer verdadeiramente o Governo grego? Se é que ele próprio sabe o que quer.