Justiça investiga lista VIP sem esperar pelo inquérito das Finanças
DIAP de Lisboa tem processo em mãos. Comissão de Protecção de Dados desconhece critérios para a criação do sistema de alerta à consulta de dados fiscais e diz não ter conseguido apurar interferência política.
O Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa instaurou um inquérito, tendo em mãos o relatório da CNPD e as actas das audições parlamentares realizadas, entre as quais ao ex-director-geral da AT, António Brigas Afonso, ao ex-subdirector geral José Maria Pires, e ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio.
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O Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa instaurou um inquérito, tendo em mãos o relatório da CNPD e as actas das audições parlamentares realizadas, entre as quais ao ex-director-geral da AT, António Brigas Afonso, ao ex-subdirector geral José Maria Pires, e ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio.
O caso está agora nas mãos do Ministério Público, que iniciou a investigação antes de serem conhecidas as conclusões do inquérito pedido à Inspecção-Geral de Finanças (IGF) pelo Ministério das Finanças.
Depois de o presidente da comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, Eduardo Cabrita, anunciar no Parlamento que a Procuradoria-Geral da República remetera a informação ao DIAP de Lisboa, a PGR confirmou ao PÚBLICO que o processo se encontra em investigação, adiantando que “todos os elementos recolhidos” foram enviados ao DIAP.
Nesta quarta-feira foi a vez de ser ouvida no Parlamento a presidente da CNPD, Filipa Calvão, que disse desconhecer os motivos que levaram à criação da lista, bem como os critérios de selecção dos nomes que vieram a público. O processo foi aberto depois de conhecidas notícias dando conta de que funcionários da AT teriam acedido ao cadastro fiscal do primeiro-ministro sem justificação aparente, o que levou à abertura de averiguações internas. Da lista VIP constavam Pedro Passos Coelho, Cavaco Silva e Paulo Portas, tendo sido acrescentado o nome de Paulo Núncio.
Na audição parlamentar, a responsável da CNPD atestou que a iniciativa partiu da segurança informática do fisco. “Esta iniciativa, podemos afirmar com segurança, coube à área de segurança informática e mereceu um despacho do subdirector-geral em substituição do director-geral”, disse Filipa Calvão.
Fica por saber quem escolheu os contribuintes para a lista. “A CNPD não apurou quem é que seleccionava os contribuintes para este efeito”, afirmou. A resposta surgiu na sequência de uma pergunta sobre uma aparente contradição do responsável da segurança informática. É que o antigo director-geral da AT revoga a lista VIP no dia 23 de Fevereiro, mas no dia seguinte o responsável da segurança informática, José Morujão Oliveira, informa quem está na lista e diz aguardar a informação sobre mais números de contribuintes que viriam a integrá-la. Mais uma vez, a responsável da CNPD disse não saber o que se passou.
Outra questão que consta do relatório é o facto de apenas alguns acessos aos dados fiscais terem levado a averiguações. Questionada sobre a selecção de funcionários, a presidente da CNPD disse não encontrar uma explicação. No mesmo relatório, uma das falhas apontadas tem a ver com a dificuldade de controlo do acesso à informação, tendo em conta que há 2302 utilizadores externos à própria administração fiscal com acesso aos dados de contribuintes. Dos 33 que consultaram o cadastro fiscal de Passos, três eram externos.
Filipa Calvão criticou ainda o “elevado grau de informalidade” nas relações profissionais dos altos funcionários da AT, já que houve contactos telefónicos e pessoais sobre esta matéria. Tal como consta do relatório de inspecção, a responsável criticou a eliminação de mensagens de email. “Há regras de segurança de informação e de tramitação interna que não podem ser esquecidas”, apontou.
Já sobre uma eventual intervenção do Governo – questão colocada pelo CDS-PP, partido a que pertence Paulo Núncio – a responsável da CNPD disse não ter conseguido concluir nesse sentido. “Não conseguimos encontrar factos que demonstrem essa interferência política”, respondeu.
O deputado António Filipe, do PCP, considera haver uma AT “fora da lei” e uma “tutela-fantasma”, já que desconhecia a criação da lista. E lembrou ainda que os “antigos directores-gerais da AT mentiram no Parlamento, ao garantirem que não havia lista”, o que foi contrariado pelo relatório.
Calvão pôs em dúvida a natureza de “testes” que justificariam a existência da lista VIP por parte dos responsáveis da AT. “Não me parece boa prática que testes dêem origem a processos disciplinares. Há uma regra de ouro: os testes não podem ser feitos com dados reais e sem comunicação à CNPD. Tenho dificuldade em aceitar que esta lista tenha funcionado apenas em regime de testes”, afirmou.
Em resposta à deputada Cecília Honório, do BE, que questionou as contradições de altos responsáveis da AT, Filipa Calvão disse não querer fazer considerações subjectivas, mas concluiu serem “inadmissíveis a este nível”. O deputado do PSD Duarte Pacheco defendeu a necessidade de garantir o sigilo fiscal de todos os contribuintes e questionou Filipa Calvão sobre as melhorias legislativas a fazer. A responsável da CNPD aproveitou para sublinhar a falta de recursos. “É evidente que temos sempre [aspectos] a melhorar. É difícil melhorar sem meios”, disse, referindo as dificuldades de contratação que há no Estado para a comissão poder realizar o seu trabalho inspectivo.
Entretanto, o PCP apresentou um requerimento para ouvir o director dos serviços de auditoria interna, Acácio Pinto, e o Bloco de Esquerda pediu para ser ouvido o director da área de segurança informática, José Morujão Oliveira.