Quando os mortos continuam vivos
Pacheco Pereira não soube esperar o momento, o tempo certo, para publicar o seu texto, não hesitou em ser descortês, deselegante, direi mesmo grosseiro, sobretudo com os mortos, mas também com as suas famílias.
Eu até compreendo e estou de acordo com alguns dos seus argumentos, nomeadamente o que refere, por exemplo, a questão da educação, entre outros, mas nada disto se justifica quando é dito no momento em que alguns dos mortos de que fala estão a ser enterrados.
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Eu até compreendo e estou de acordo com alguns dos seus argumentos, nomeadamente o que refere, por exemplo, a questão da educação, entre outros, mas nada disto se justifica quando é dito no momento em que alguns dos mortos de que fala estão a ser enterrados.
O Pacheco Pereira não soube esperar o momento, o tempo certo, para publicar o seu texto, não hesitou em ser descortês, deselegante, direi mesmo grosseiro, sobretudo com os mortos, mas também com as suas famílias, e refiro-me aqui sobretudo a propósito de Manoel de Oliveira. A única coisa que lhe interessava, Pacheco Pereira, era dar uma cacetada nos políticos e na imprensa, sendo mais preciso, no Governo, e fê-lo no momento errado sem mostrar qualquer pudor ou consideração por Manoel de Oliveira, que estava a ter o seu funeral, mas também pelos outros.
Estas suas afirmações, Pacheco Pereira, as de um provinciano que se põe em bicos de pés para que o vejam, todas elas são achincalhantes e negativas. Repare que não há um único elogio no seu texto à obra dos mortos referidos. O momento que escolheu para escrever e publicar este seu escrito, revela a sua enorme falta de sensibilidade, presunção e arrogância, melhor dizendo, “inveja”, a inveja que o nosso grande Luís de Camões tão bem relata no final d'Os Lusíadas.
O Pacheco Pereira escreve a propósito de “Manoel de Oliveira, que chegava ao povo mais por ter 106 anos do que pela sua obra, era 'conhecido' por ser autor de filmes intragáveis, que ninguém via até ao fim, ou sequer até ao princípio, e gozado por filmar horas de filme em que nada acontecia.”
Com tanta precisão neste maldizer, daquilo que escreveu, transpira para o leitor a ideia que de facto é aquilo que o Pacheco Pereira pensa.
Não nego que não haja uma minoria provavelmente a pensar conforme diz, precisamente o que corresponde ao que anteriormente designei de secundário. Abusivamente, no seu ponto de vista, o Pacheco Pereira pretende e quer generalizar esta sua análise, esta sua interpretação sobre o que pensam as pessoas da obra oliveiriana, que, por ser parcial, desvirtua a realidade.
Como um ditador, o Pacheco Pereira, obcecado e levado pelo seu verdadeiro e único propósito, ignora e atropela completamente outros entendimentos, não faz qualquer referência a eles, refiro-me aos muitos estudiosos e conhecedores profundos da obra oliveiriana, que deram entrevistas e escreveram livros, ou nos jornais, semanários e revistas por esse mundo fora. Não estou a referir só a imprensa portuguesa de que fala o Pacheco Pereira, mas também aquela que está espalhada por toda a Europa, ou mais longe, no Vietname, Japão, China, África do Sul, Brasil, México, EUA. Pode proceder à contagem, estes serão bem mais numerosos do que aqueles que sustentam as estúpidas afirmações que transcreve.
O Pacheco Pereira deveria saber que coisas destas, o tal “secundário”, existem sempre e rodeiam outras grandes figuras da cultura universal, não são um exclusivo português, que apenas encontramos nos casos de um Manoel de Oliveira ou de um poeta da dimensão do Herberto Helder. Recordo-lhe e dou-lhe alguns exemplos de grandes e incontornáveis figuras como é o caso do Shakespeare, do Cervantes, do Proust, do Picasso, do Duchamp, que toda a gente conhece, mas poucos serão aqueles que de facto compreenderam e penetraram em profundidade as suas obras, foram sensíveis a elas. Do mesmo modo sabe bem que o fenómeno é transversal à política. Poucos leram Marx, Bakunin, Gramsci, mas falam deles, e quem leu percebe.
O Pacheco Pereira preferia talvez que os políticos eleitos, que são os verdadeiros representantes de Portugal, em nome do “possível” desconhecimento que refere, ignorassem uma figura como a de Manoel de Oliveira na sua morte? A obra deste realizador, apreciada em todo o mundo, os quase duzentos prémios que Manoel de Oliveira mereceu e recebeu, no entender do Pacheco Pereira, não justificam as homenagens que o país lhe quer e tem prestado?
Não me choca o respeito por aquilo que enaltece, e enobrece Portugal, o país que Pacheco Pereira põe em dúvida, focar o tal “essencial” em detrimento do “secundário”. A perfeição na terra, Pacheco Pereira, infelizmente, não existe, todos vemos na TV e constatamos as suas fragilidades...
O grande Marcello Mastroianni disse em 1996, quando representava o próprio Manoel de Oliveira no filme deste realizador, Viagem ao Princípio do Mundo: “Manoel de Oliveira é uma espécie de monumento, talvez vocês, portugueses, não o saibam, mas este homem é conhecido a nível internacional.” No PÚBLICO de 2/IV/2015.
O Pacheco Pereira talvez ignore o facto de os filmes de Manoel de Oliveira darem a conhecer a nossa cultura, a nossa história pelo mundo fora, a uma média de cerca de três milhões de espectadores por cada um deles, e circularam em bem mais de duas dezenas de países. O Bloco de Esquerda disto falou na Assembleia da República quando se discutiam as leis do cinema. Também talvez não saiba que um dos filmes, O Vale de Abraão, esteve seis meses seguidos nos cartazes de um cinema de Atenas.
Os “lendários Cahiers du Cinéma”, o termo é do Le Monde, uma das mais prestigiadas e conceituadas revistas de cinema, irão dedicar inteiramente o seu número de Maio a Manoel de Oliveira, como foi revelado por este jornal e pelo Libération.
Apenas alguns dizeres recentes sobre a obra de Manoel de Oliveira na imprensa internacional:
The Hollywood Reporter – Deborah Youg, “humanismo inabalável e empenho firme na cultura”.
New York Times – Dennis Lim, “fora do tempo, ou talvez pertencente a muitos tempos, num modernismo do séc.XX, atraído pelos temas e pelas tradições de outras eras”.
New Yorker – Richard Brody, a propósito de Um Filme Falado, “o melhor filme que vi que responde aos ataques de 11 de Setembro.”
El País – Esteve Rimbau, “cineasta das palavras, mas também pureza das ideias”.
Le Monde – Jacques Mandelbaum, “um dos maiores artistas do séc. XX”, “pioneiro da vanguarda”.
The Guardian – Peter Bradshaw, “loquazes, elegantes”. A propósito de Um Filme Falado, “um caso único extraordinário, tal como o seu realizador”.
Libération – Michel Londsdale, “ser misterioso, que não fala muito, o tipo de personagem à margem, que faz o que quer, com uma grande sensibilidade”.
Libération – Catherine Deneuve, “muito especial, sedutor e autoritário, muitas vezes encantador”, “um artesão que trabalha sem cessar os seus filmes impondo em plena criação a sua visão”.
Cahiers de Cinéma – Jean-Michel Frodon, “um poeta da realização, um apaixonado das palavras e dos corpos, detentor de um saber misterioso que transformava os seus filmes em milagres”.
Pintor, escultor, fotógrafo, designer, cineasta (filho de Manoel de Oliveira)