Sorte grande
A ansiedade já tinha tomado conta de ti. Seres um dos sorteados significaria teres a tua primeira viagem de avião, teres a tua primeira viagem para fora do país, enfim, a possibilidade de uma experiência marcante
Sentado, na tua cadeira, vias a professora a mexer no saco com os papelinhos. Num deles estava escrito o teu nome.
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Sentado, na tua cadeira, vias a professora a mexer no saco com os papelinhos. Num deles estava escrito o teu nome.
A ansiedade já tinha tomado conta de ti. Seres um dos sorteados significaria teres a tua primeira viagem de avião, teres a tua primeira viagem para fora do país, enfim, a possibilidade de uma experiência marcante. E, com dezasseis anos, sentias que estava na altura de fazeres esta viagem.
O primeiro papel que saiu não tinha o teu nome. Algumas cadeiras atrás alguém gritava “yes!”. O João (que ficava sempre na última fila) era o primeiro contemplado com a viagem. Olhaste para trás e viste o brilho de satisfação no seu olhar.
A tua ansiedade aumentou. Sabias que só iam ser premiados quatro alunos por turma. Agora, já só restavam três hipóteses para ti.
Sai outo papelinho. Observas com toda a atenção a professora a desdobrá-lo e a dizer o nome do contemplado. Não foi preciso esperares, nem ansiares mais. A professara acabara de dizer o teu nome. Agora, foste tu quem festejou, erguendo os braços com os punhos cerrados, bem alto, e mais nada (mas quem olhasse para ti podia ter visto o brilho da satisfação no teu olhar).
Estavas feliz. A tua primeira viagem internacional ia ser verdade!
O resto do sorteio ditou que o Pedro e a Catarina completavam a comitiva da turma. Parecia que a sorte, afinal, era uma maré cheia: a Catarina ia na viagem!
Desde o início do ano que andavas fixado na Catarina. Com ela na comitiva, esta viagem ia ser a oportunidade perfeita para pores a tua fixação em prática (assim ela te deixasse).
Saíste da sala de aula com uma alegria interior que já há muito não sentias. E, agora, a ansiedade era outra. Era aquele nervoso miudinho da expectativa dum amanhã que se deseja que seja já. Que estivesses já no destino que a sorte te tinha proporcionado.
Em casa, exibiste a tua felicidade e os teus pais congratularam-te. A tua irmã invejou-te um pouco mas partilhou a tua alegria.
Quando o dia da viagem chegou, tudo correu conforme previsto. Os teus pais levaram-te ao aeroporto onde te juntaste à comitiva da escola. Uma trupe de vinte alunos e três professores: o de Educação Física, a de História e a de Inglês. O destino da viagem era de sol, mar e praia mas estava planeada uma visita ao centro histórico e a alguns museus. No meio, muitos turistas de múltiplas nacionalidades. Dir-se-ia que a escolha do triunvirato docente não podia ter sido mais adequada.
O andar de avião não te fazia confusão. E pouco te interessava que fosse a primeira vez. O que te interessava era a praia, que te esperava no destino, e a Catarina (que sim, ias vê-la de "bikini", o que era já uma grande conquista da viagem).
Coube-te um lugar junto à janela. Por isso, pudeste ver a terra a afastar-se à medida que o avião descolou, pudeste ver as nuvens que o avião atravessou. Pudeste ver o azul infinito acima da nuvens atravessadas, e a luz solar, forte, no horizonte. E pudeste ver a montanha que se aproximou.
Passadas umas horas, era notícia em todo o mundo: o voo 1337 despenhara-se ao atravessar uma cadeia montanhosa. Não se sabiam ainda as causas do acidente. Mas ninguém acreditava que houvesse sobreviventes.