“A empregabilidade não pode ser um princípio cego”

Jorge Gaspar, presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), defende que não há nenhuma empresa que contrate um trabalhador só porque existe um apoio público para a sua contratação.

Foto
Jorge Gaspar, presidente do IEFP Nuno Ferreira Santos

Sobre o efeito dos estágios e formação profissional na redução do número de desempregados registados nos centros de emprego, Jorge Gaspar garante que essas actividades não servem para mascarar o desemprego, mas sim para ajudar as pessoas a entrar ou regressar ao mercado de trabalho o mais cedo possível. Este responsável destaca ainda que o desfasamento entre a oferta e a procura de emprego tem vindo a atenuar-se e a prova disso é a redução do número de jovens inscritos e do número de desempregados de longa duração (no desemprego há mais de 12 meses).

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Sobre o efeito dos estágios e formação profissional na redução do número de desempregados registados nos centros de emprego, Jorge Gaspar garante que essas actividades não servem para mascarar o desemprego, mas sim para ajudar as pessoas a entrar ou regressar ao mercado de trabalho o mais cedo possível. Este responsável destaca ainda que o desfasamento entre a oferta e a procura de emprego tem vindo a atenuar-se e a prova disso é a redução do número de jovens inscritos e do número de desempregados de longa duração (no desemprego há mais de 12 meses).

Como vê o facto de o Instituto Nacional de Estatística (INE) ter deixado de usar os dados do IEFP para avaliar o andamento mensal do mercado de trabalho, com o argumento de que a partir do início de 2007 o nível da população desempregada excedeu o do desemprego registado. Estas críticas têm razão de ser?
Não entendo isso como uma crítica ao trabalho do IEFP. Uma coisa é o desemprego registado, outra é o desemprego estatístico, um e outro assentam em pressupostos e objectivos diferentes. Do ponto de vista do IEFP, o desemprego registado tem como finalidade perceber as tendências e as necessidades de qualificações para proporcionar ao desempregado o seu ingresso ou regresso, o mais cedo possível, ao mercado de trabalho. Do ponto de vista do INE, o desemprego estatístico tem naturalmente outros pressupostos e outras finalidades.

A partir de 2011, o IEFP passou a divulgar os desempregados ocupados em acções de formação, estágios, etc., que não contam como desempregados, num exercício de maior transparência. O aumento do número de ocupados explica em parte a redução do desemprego?
Refuto em absoluto que o desemprego esteja a baixar à custa da actividade do IEFP. Como o IEFP não cria um único posto de trabalho, o que se espera do serviço público de emprego é que use os recursos ao seu dispor para apoiar a criação de emprego. O IEFP executa políticas activas de emprego, incluindo formação profissional, e elas parecem-me um pilar básico do estado social e de direito. Quem financia a actividade do IEFP são as empresas e os trabalhadores no activo, o que o serviço público tem de fazer é devolver essas verbas à comunidade e à economia com uma mais-valia que é a criação de emprego.

Para termos um retrato completo do desemprego registado devemos somar os ocupados aos desempregados?
Não compreendo bem a figura do retrato completo.

Da soma dos desempregados registados com os desempregados ocupados resulta o número total de desempregados?
Se me está a perguntar se “somando A com B tem o total das pessoas à procura de” não é assim que trabalhamos no IEFP. Quando avançamos para programas de formação profissional, sejam dirigidos a jovens ou adultos, e quando apoiamos estágios profissionais estamos a procurar empregabilidade. Não é tecnicamente adequado somar um com outro para chegar ao universo de pessoas que querem emprego, até porque as várias medidas que gerimos e executamos têm níveis de empregabilidade diferente. No caso dos estágios, o nível de empregabilidade, aferida através do cruzamento de dados com a Segurança Social, é de 70%.

No ano passado, mais de metade das colocações feitas pelo IEFP recorreu a apoios ao emprego. Se não houvesse esses apoios, as colocações teriam sido efectuadas?
Não conheço nenhuma empresa que contrate um trabalhador só porque existe um apoio público à contratação. As empresas contratam quando precisam e o que se espera do serviço público de emprego, particularmente quando tem recursos à sua disposição e quando a economia precisa, é que apoie a criação de emprego. Em 2014, a medida Estímulo [que financia as empresas que contratem desempregados] apoiou 56% de contratos de trabalho por tempo indeterminado.

Mas se olharmos para a totalidade das colocações feitas com a ajuda do IEFP o cenário é outro, 57% dos contratos apoiados são a termo certo.
Estou a falar do Estímulo Emprego… Mas o INE também diz que a maior parte dos postos de trabalho que estão a ser criados hoje em Portugal têm por base contratos de trabalho por tempo indeterminado. Mais ofertas e mais colocações significam mais confiança do IEFP.

Esse aumento das ofertas está também relacionado com o facto de, a partir de determinada altura as empresas terem de registar a oferta de emprego para poderem beneficiar dos apoios.
Do ponto de vista do trabalho do IEFP, essa é a metodologia correcta que lhe permite perceber o que tem pela frente e fazer o ajustamento entre a oferta e a procura. Temos mais ofertas, mais colocações e, de ano para ano, estamos a conseguir colocar mais pessoas face ao stock de ofertas recebidas.

Apesar das melhorias, continua a haver um largo número de ofertas de emprego que ficam desertas. Por que é que isso acontece?
Existe em Portugal, e um pouco por todo o mundo ocidental, um nítido desfasamento entre competências e qualificações de um lado e necessidades do mercado de trabalho do outro. Esse problema tem sido atacado, porque quer o desemprego jovem, quer o desemprego de longa duração, onde esse desfasamento se faz sentir de forma mais incisiva, têm vindo a baixar e estamos abaixo dos valores de 2012. Isto significa que do ponto de vista do ajustamento temos conseguido dar um contributo, via colocações, para o resolver.

Por que é que há algumas ofertas particularmente difíceis de satisfazer?
Naturalmente a economia é muito mais dinâmica e flexível do que qualquer política pública. O problema do ajustamento está a ser cada vez melhor prosseguido por nós, o que não significa que não haja um problema difícil de resolver relativamente a um conjunto de pessoas que hoje estão desempregadas e que têm competências ainda muito longe das necessidades do mercado de trabalho.

Há pessoas que estão irremediavelmente perdidas para o  mercado de trabalho?
Nenhum ser humano está irremediavelmente perdido para nada. Mas há quem tenha particulares dificuldades no regresso ao mercado de trabalho. Nós trabalhamos em processos de reconversão profissional que são mais morosos, porque naturalmente uma pessoa com 40 e muitos ou 50 anos demora mais tempo para fazer uma inflexão do seu percurso profissional. E pelos vistos não o estamos a fazer mal, porque o desemprego de longa duração tem vindo a baixar. Por é que só agora se nota essa redução? Porque as políticas dirigidas a este público demoram mais tempo a produzir efeito. Nem todas as medidas activas de emprego têm, no curto prazo, o mesmo nível de empregabilidade. Não só não têm como, em bom rigor, não lhes devemos exigir o mesmo nível de empregabilidade. Quando falamos de cursos de educação e formação de adultos (EFA), que devem ser valorizados, não podemos esperar o mesmo nível de empregabilidade que têm, por exemplo, estágios para jovens desempregados licenciados. Então mas os desempregados de longa duração não têm direito a formação profissional só porque do ponto de vista da empregabilidade ela demora mais tempo a atingir? Toda a gente tem direito a regressar ao mercado de trabalho.

A redução do desemprego pode estar relacionada com as anulações de inscrições?
Há um enquadramento legal para a situação de desemprego, que implica direito e o cumprimento de deveres. O que fazemos no IEFP é, nem mais nem menos, do que cumprir a lei. O número de anulações [de desempregados subsidiados] tem vindo a diminuir na mesma altura em que o desemprego tem vindo a cair. Não é seguramente por causa das anulações que baixa o desemprego.

Este ano estará a funcionar em pleno a notificação centralizada e automática de desempregados. Espera um aumento das anulações por causa desta nova ferramenta?
No caso dos subsidiados, as convocatórias saem por correio não registado e, se não são respondidas, há uma segunda convocatória registada. O que estamos a fazer é tão-somente automatizar o envio das convocatórias. Hoje somos 3259 trabalhadores, éramos 3803 em 2008. É a utilização de um recurso absolutamente normal nos dias de hoje. Não há nenhuma relação directa ou indirecta entre uma ferramenta e os resultados da aplicação de uma obrigação legal.

No caso dos desempregados não subsidiados, a anulação é feita sem audiência prévia, ao contrário do que se prevê no Código de Procedimento Administrativo. O problema foi alvo de uma chamada de atenção do Provedor de Justiça no passado. Há alguma alteração?
No IEFP cumprimos a lei e a prova de que cumprimos a lei é que, para a dimensão que temos, o nível de litigância é residual. Não lhe vou dizer mais nada.

Não vai responder?
Não é uma questão de não responder, não me parece que acrescente valor à nossa conversa. Nós cumprimos a lei.

A questão é relevante porque há um conjunto de apoios ao emprego que dependem da inscrição no centro de emprego.
Para nós, a inscrição de um cidadão desempregado é uma prova de confiança na capacidade de resposta do IEFP. Quando o IEFP procede à anulação de uma inscrição, fá-lo no quadro do cumprimento da lei. Em todos os casos, subsidiados e não subsidiados, o que fazemos é cumprir a lei.

O novo pacote de fundos europeus vai ser gerido de uma forma diferente. Que implicações terá na actividade do IEFP?
Até aqui, o IEFP relacionava-se fundamentalmente com o Programa Operacional (PO) Potencial Humano. No Portugal 2020 vai ter de se relacionar com dois programas temáticos, o PO Capital Humano e PO Inclusão Social e Emprego e uma das grandes novidades é que o Fundo Social Europeu estará também nos programas regionais. No caso do IEFP têm relevância os do Norte, Centro e Alentejo. Algumas das medidas que são actividade normal e corriqueira do IEFP serão financiadas por esses programas regionais. Do ponto de vista da gestão do IEFP, isto é uma mudança de paradigma e vai exigir do nosso lado muita selectividade e aí o princípio da empregabilidade é fundamental. No IEFP a estratégia é qualificar para empregar, não é formar para entreter. Mas não nos podemos comportar como um colégio privado que tem duas turmas no 12.º ano e vai enviar 40 meninos para medicina. O IEFP tem de dar resposta a todos, independentemente da sua circunstância, o que significa que o nível de empregabilidade que se espera de cada uma das medidas não pode ser o mesmo. E se não pode ser o mesmo, não pode ter a mesma leitura do lado dos programas regionais.

Receia que isso possa acontecer?
Não receio nem deixo de recear. A empregabilidade não pode ser um princípio cego, aplicado de forma igual. Não se pode esperar que um EFA tenha o mesmo nível de empregabilidade de um estágio emprego, mas os EFA têm de continuar a existir. Para que o IEFP continue a ter bons resultados e a dar respostas a todos, independentemente da sua circunstância, o princípio da empregabilidade – com o qual estou absolutamente de acordo – não pode ser aplicado de forma cega a todas as modalidades do IEFP. Não estou a dizer que vai acontecer, estou a dizer que não pode acontecer.