Governo aprova a lista dos 164 municípios com direito a cuidados especiais
O Portugal de “baixa densidade” já tem um mapa. O Governo aprovou esta semana as fronteiras entre os 164 municípios em risco de desertificação e o país com algum músculo demográfico e económico. Depois de inúmeras variações, o “país dual” tem um rosto oficial.
O mapa, que resulta de uma proposta da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP), tenta acabar de uma vez por todas com as diferentes interpretações que existem sobre a faixa do território nacional afectada pelo despovoamento, a desertificação, o envelhecimento e falta de dinâmica económica. “Espero que sirva de base para o futuro”, até porque “nunca se tinha feito este trabalho”, justifica Manuel Castro Almeida, secretário de Estado do Desenvolvimento Regional.
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O mapa, que resulta de uma proposta da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP), tenta acabar de uma vez por todas com as diferentes interpretações que existem sobre a faixa do território nacional afectada pelo despovoamento, a desertificação, o envelhecimento e falta de dinâmica económica. “Espero que sirva de base para o futuro”, até porque “nunca se tinha feito este trabalho”, justifica Manuel Castro Almeida, secretário de Estado do Desenvolvimento Regional.
Os 164 municípios vão ter direito a cuidados especiais – para lá da competitividade, a natureza dos fundos europeus impõe a procura da coesão. O Governo definiu assim três fórmulas para os discriminar favoravelmente. Em primeiro lugar, serão privilegiados com programas aos quais só eles poderão concorrer; em segundo, haverá bonificações na apreciação das candidaturas; e, terceiro, se em causa estiver um investimento privado, haverá lugar a uma bonificação de 10% face aos valores praticados nas outras áreas do país.
Para a construção do mapa dos beneficiários, contaram cinco indicadores. O mais importante é o que se relaciona com a densidade populacional, que pesa 50%. Depois, com um peso relativo de 10%, entram cinco outros indicadores: o “perfil territorial”, que analisa questões como o uso do solo; o “perfil demográfico” que atende a factores como a variação populacional ou o peso dos idosos e dos jovens na pirâmide demográfica; o “perfil povoamento”, que observa as percentagens da população rural e urbana; o “perfil socioeconómico”, que atende a critérios como o rendimento médio mensal ou o peso da população com o terceiro ciclo do ensino básico; e o “perfil acessibilidade” que considera as condições de acesso à sede do concelho, à capital do distrito ou à capital regional.
Este modelo é aplicado ao nível das freguesias, que passam a ser consideradas como territórios de baixa densidade se obtiverem uma média percentual abaixo dos 62.77%. Depois, se metade das freguesias de um município estiverem nessa situação, todo o concelho passa a ser incluído no mapa. Os concelhos com densidades populacionais abaixo dos 25 habitantes por quilómetro quadrado são automaticamente incluídos. E, para evitar ilhas, o Governo considerou que se numa determinada NUT III (uma unidade territorial para efeitos estatísticos que corresponde por grosso às associações de municípios) houver 75% dos concelhos num estado de baixa densidade, todos os demais serão incluídos nesse mapa.
Para o secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, a importância deste trabalho está no facto de poder sustentar decisões estratégicas em critérios “mais elaborados e mais rigorosos”, acabando de vez com as “hesitações” que ocorriam sempre que estava em causa a definição de políticas destinadas a partes específicas do país. “Conseguiu-se um bom equilíbrio entre a razoabilidade política e critérios técnicos e científicos”, diz Castro Almeida.
Esse “equilíbrio” fez alargar os mapas que, principalmente nos anos 1990 e 2000, se projectaram sobre o interior. Os territórios de baixa densidade chegam ao litoral alentejano (com excepção de Sines) e algarvio e abrangem todas as capitais de distrito do “interior”, com excepção de Viseu. O “país dual”, que o sociólogo Adérito Sedas Nunes identificou já nos anos de 1970, fica oficialmente demarcado. Entre um e o “outro” país, as diferenças são enormes: enquanto Alcoutim tem 5,1 habitantes por km2, a Amadora, por exemplo, tem 7363.
Pegando na definição cunhada por João Ferrão, geógrafo e investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS), o mapa aprovado pelo Governo separa os territórios do país sob “alta pressão”, o Portugal que “mais capacidade revelou para se transformar e desenvolver ao longo da última década do século XX” e junta sob o mesmo conceito o “país tranquilo” e o “país sonolento”. Na definição que utilizou (e que esteve presente durante anos o debate sobre o território), o país sonolento acusava “um ciclo de subdesenvolvimento difícil de se romper” e o “país tranquilo” representava “o Portugal intermédio, o país da transição”, com uma “trajectória de evolução mais próxima da que se verifica nos territórios de Portugal sob alta pressão”.
Ferrão, no entanto, não questiona a separação entre o país que cresce e se desenvolve do outro país que hesita ou regride económica e demograficamente. “Muito do país tranquilo faz hoje provavelmente parte do país sonolento”, diz o investigador do ICS. “O importante é ir onde ainda há limiares mínimos de vida colectiva”, porque nos sítios “onde se fecharam as escolas ou os centros médicos provavelmente já não se pode fazer nada”, acrescenta.
Definido o mapa, segue-se a pergunta: o que fazer nessa ampla faixa do país com problemas graves de sustentação económica e demográfica? Álvaro Domingues, professor na Faculdade de Arquitectura do Porto, aponta para um nó difícil de desatar: “Estamos a falar de áreas pouco atractivas para o investimento privado” e que dependem muito do “investimento do Estado, que entretanto deixou de investir”.
Manuel Castro Almeida não consegue para já saber que volume de financiamentos estes territórios vão receber dos programas operacionais do Portugal 2020. “Há mais verbas do que no QREN”, o anterior quadro de fundos europeus, “mas o investimento vai depender dos projectos que forem apresentados”, explica.
O secretário de Estado acredita “muito” em pequenos investimentos, feitos à escala local, que tenham como ponto de partida a “valorização dos produtos locais”. Para isso, promete, “há bastante dinheiro”. Porque, sublinha, “cada microempresa é potencialmente uma média empresa”. E, só por milagre se pode acreditar que venham grandes empresas do exterior suprir a falta de emprego que torna o “interior” um deserto maior a cada ano que passa.