Iémen, o país de todas as crises e grande importância estratégica
Com diferentes conflitos internos, o país mais a Sul da Península Arábica está limitado a Ocidente pelo estreito de Bab al-Mandab, por onde passa 40% de todo o comércio marítimo mundial.
Por que é que o Iémen é cronicamente instável?
O Iémen nunca teve um Governo central suficientemente forte para dar verdadeira unidade ao território. Antes de 1990, existiam dois países, o Iémen do Norte (islamista) e o Iémen do Sul (marxista). O Norte foi o primeiro a declarar a sua independência dos otomanos, em 1918, sob a liderança do imã Yahya – os huthis, uma tribo de confissão zaidita (um ramo do islão xiita), querem o regresso a este regime religioso. Em 1967, é declarada a República do Povo do Iémen, no Sul. O ex-Presidente, Ali Abdullah Saleh, chegou à liderança do Norte em 1978, tendo permanecido durante a guerra civil, a unificação, em 1990, e uma nova guerra civil. Um autocrata que impediu o fortalecimento de instituições políticas e o desenvolvimento do país, nunca controlou o conjunto do território, onde as tribos têm muito poder. Na sequência de vaga de protestos que varreu o mundo árabe em 2011, Saleh foi obrigado pelos países da região a deixar o poder. Estes escolheram o seu vice, Abu Mansour Habi, como sucessor.
Quem tem poder no país
Normalmente quem tem poder é quem tem armas e, no Iémen, há muito quem esteja armado: a ONU estimava em 2010 que existissem pelo menos 60 milhões de armas no país (espingardas, metralhadoras ou explosivos são fáceis de comprar). Foi em 2009 que a Al-Qaeda da Península Arábica foi expulsa da Arábia Saudita e se estabeleceu no Iémen – hoje, os EUA consideram que este é o ramo mais perigoso do grupo fundado por Bin Laden. Para além do Governo de Habi, reconhecido internacionalmente, e de várias tribos poderosas, a Al-Qaeda controla algumas zonas. Do Norte, seu bastião, os huthis têm vindo a aumentar o seu poder conquistando cidades no Sul e no Leste. No Sul, há também uma rebelião separatista. Saleh, com 73 anos, ainda ambiciona pôr no poder o seu filho, Ahmad, e tem alguns aliados no Exército.
Como é que a situação chegou a este ponto?
Há mais de cinco anos que se fala no Iémen como futuro Afeganistão ou Somália, um Estado falhado que sirva de base a grupos terroristas. A queda de Saleh, talvez demasiado tarde para os estragos que fizera, não foi aproveitada para promover o desenvolvimento do país, onde 45% da população de 25 milhões vive abaixo do limiar da pobreza. Saleh usava o dinheiro que recebia dos EUA e de outros aliados destinado a combater a Al-Qaeda e a melhorar a vida dos iemenitas para aumentar o seu poder e riqueza. O descontentamento dos huthis foi crescendo de forma proporcional à marginalização que o Governo de Sanaa impunha ao Norte. Desde 2004 que Sanaa e a tribo estão em guerra, um conflito que fez milhares de mortos e, a partir de 2009, provocou uma enorme crise humanitária. Afastado do poder, Saleh ainda contribuiu mais para a desestabilização, aliando-se agora aos huthis (também ele é zaidita, embora tivesse nos árabes sunitas a sua base de poder) para ameaçar o Governo do seu antigo vice.
Qual é a sua importância estratégica e regional?
Situado no extremo Sul da Península Arábica, o país tem petróleo e gás, mas pouco. A sua importância é essencialmente estratégica – pelo estreito de Bab al-Mandab, que separa a península do Leste de África e liga o golfo de Áden ao mar Vermelho, passa quase 40% de todo o comércio marítimo mundial, incluindo 30% de petróleo transportado por esta via. O embaixador egípcio no país avisou recentemente que quaisquer ameaças ao Bab al-Mandab seriam “uma linha vermelha” para o Cairo. A Arábia Saudita partilha uma longa fronteira e já ali interveio militarmente várias vezes. Nos últimos anos, com o Irão xiita e o Hezbollah libanês a ajudarem os líderes xiitas do Iraque e o regime sírio, Riad, que vê no Irão o país que mais desafia a sua hegemonia regional, acusa os iranianos de apoiarem os huthis com dinheiro e armas. Teerão desmente, mas a ligação entre os zaiditas iemenitas e os iranianos é antiga. Se os rebeldes huthis tomarem Bab al-Mandab, diz à Reuters o analista Bassem al-Hakimi, “o Irão será o grande vencedor”.
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Por que é que o Iémen é cronicamente instável?
O Iémen nunca teve um Governo central suficientemente forte para dar verdadeira unidade ao território. Antes de 1990, existiam dois países, o Iémen do Norte (islamista) e o Iémen do Sul (marxista). O Norte foi o primeiro a declarar a sua independência dos otomanos, em 1918, sob a liderança do imã Yahya – os huthis, uma tribo de confissão zaidita (um ramo do islão xiita), querem o regresso a este regime religioso. Em 1967, é declarada a República do Povo do Iémen, no Sul. O ex-Presidente, Ali Abdullah Saleh, chegou à liderança do Norte em 1978, tendo permanecido durante a guerra civil, a unificação, em 1990, e uma nova guerra civil. Um autocrata que impediu o fortalecimento de instituições políticas e o desenvolvimento do país, nunca controlou o conjunto do território, onde as tribos têm muito poder. Na sequência de vaga de protestos que varreu o mundo árabe em 2011, Saleh foi obrigado pelos países da região a deixar o poder. Estes escolheram o seu vice, Abu Mansour Habi, como sucessor.
Quem tem poder no país
Normalmente quem tem poder é quem tem armas e, no Iémen, há muito quem esteja armado: a ONU estimava em 2010 que existissem pelo menos 60 milhões de armas no país (espingardas, metralhadoras ou explosivos são fáceis de comprar). Foi em 2009 que a Al-Qaeda da Península Arábica foi expulsa da Arábia Saudita e se estabeleceu no Iémen – hoje, os EUA consideram que este é o ramo mais perigoso do grupo fundado por Bin Laden. Para além do Governo de Habi, reconhecido internacionalmente, e de várias tribos poderosas, a Al-Qaeda controla algumas zonas. Do Norte, seu bastião, os huthis têm vindo a aumentar o seu poder conquistando cidades no Sul e no Leste. No Sul, há também uma rebelião separatista. Saleh, com 73 anos, ainda ambiciona pôr no poder o seu filho, Ahmad, e tem alguns aliados no Exército.
Como é que a situação chegou a este ponto?
Há mais de cinco anos que se fala no Iémen como futuro Afeganistão ou Somália, um Estado falhado que sirva de base a grupos terroristas. A queda de Saleh, talvez demasiado tarde para os estragos que fizera, não foi aproveitada para promover o desenvolvimento do país, onde 45% da população de 25 milhões vive abaixo do limiar da pobreza. Saleh usava o dinheiro que recebia dos EUA e de outros aliados destinado a combater a Al-Qaeda e a melhorar a vida dos iemenitas para aumentar o seu poder e riqueza. O descontentamento dos huthis foi crescendo de forma proporcional à marginalização que o Governo de Sanaa impunha ao Norte. Desde 2004 que Sanaa e a tribo estão em guerra, um conflito que fez milhares de mortos e, a partir de 2009, provocou uma enorme crise humanitária. Afastado do poder, Saleh ainda contribuiu mais para a desestabilização, aliando-se agora aos huthis (também ele é zaidita, embora tivesse nos árabes sunitas a sua base de poder) para ameaçar o Governo do seu antigo vice.
Qual é a sua importância estratégica e regional?
Situado no extremo Sul da Península Arábica, o país tem petróleo e gás, mas pouco. A sua importância é essencialmente estratégica – pelo estreito de Bab al-Mandab, que separa a península do Leste de África e liga o golfo de Áden ao mar Vermelho, passa quase 40% de todo o comércio marítimo mundial, incluindo 30% de petróleo transportado por esta via. O embaixador egípcio no país avisou recentemente que quaisquer ameaças ao Bab al-Mandab seriam “uma linha vermelha” para o Cairo. A Arábia Saudita partilha uma longa fronteira e já ali interveio militarmente várias vezes. Nos últimos anos, com o Irão xiita e o Hezbollah libanês a ajudarem os líderes xiitas do Iraque e o regime sírio, Riad, que vê no Irão o país que mais desafia a sua hegemonia regional, acusa os iranianos de apoiarem os huthis com dinheiro e armas. Teerão desmente, mas a ligação entre os zaiditas iemenitas e os iranianos é antiga. Se os rebeldes huthis tomarem Bab al-Mandab, diz à Reuters o analista Bassem al-Hakimi, “o Irão será o grande vencedor”.