Ser ou não ser boa mãe

Aparentemente, fui má mãe, ou assim me dizem hoje, porque imiscuí as minhas crianças com esse povo sujo e andrajoso, mal comido e mal dormido encostado aos muros de um país pelas ruas fora

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Michael Dalder/Reuters

O meu filho deixou de mamar às duas semanas de idade. Secou-se-me o leite. Aparentemente, sou má mãe, ou assim o vim a saber, anos mais tarde, por não ter dado de mamar, perdão, por não ter dado de mamar intensa e apaixonadamente ao meu filho. E de pouco importa se se tenham secado as tetas desta loba romana mais o Rómulo e o Remo, a via láctea e a Humanidade inteira cheia de fome, porque quem não mama, não ama, e quem não dá de mamar, não acarinha nem quer esta criança que ainda hoje trago nos braços.

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O meu filho deixou de mamar às duas semanas de idade. Secou-se-me o leite. Aparentemente, sou má mãe, ou assim o vim a saber, anos mais tarde, por não ter dado de mamar, perdão, por não ter dado de mamar intensa e apaixonadamente ao meu filho. E de pouco importa se se tenham secado as tetas desta loba romana mais o Rómulo e o Remo, a via láctea e a Humanidade inteira cheia de fome, porque quem não mama, não ama, e quem não dá de mamar, não acarinha nem quer esta criança que ainda hoje trago nos braços.

Assim que pude o meu filho foi logo para o infantário, mas não o privado, que na altura estávamos no pós vinte e cinco de Abril e mais não sei o quê e então tínhamos infantários sociais e as pessoas vinham para a rua e faziam escolas com as próprias mãos, porque num repente éramos livres e havia a possibilidade real de as crianças, as nossas, terem um futuro em tudo melhor ao nosso.

Aparentemente, fui má mãe, ou assim me dizem hoje, porque imiscuí as minhas crianças com esse povo sujo e andrajoso, mal comido e mal dormido encostado aos muros de um país pelas ruas fora. Não fosse o pormenor de também eu ser esse povo e talvez estivéssemos de acordo. E querermos a educação. Mas não, fui mesmo má mãe, não só por não proteger, mas acima de tudo por sujeitar os meus filhos às agruras da vida, aos outros meninos, às outras porradas, à diferença, mas também à amizade, à indiferença, mas também ao amor, às vitórias e às derrotas, mas também à vida, dando-lhes a liberdade de aprender, dando-lhes a liberdade de crescer.

Azar do caraças, fui má mãe. Porque ainda por cima castiguei e repreendi, acometi e bati sempre e quando foi preciso, cicatrizando para todo o sempre o halo de luz do qual são feitos todos estes filhos. Naturalmente, mandei os meus filhos para a escola, a pública, onde não moram nem tutores nem louvores, mas horrores, onde é preciso mesmo aprender e estudar, compreender e correr, memorizar, marrar, apresentar, avaliar e ser avaliado, passar e chumbar, rir e chorar, querer e poder, acordar e sonhar.

Não. Decididamente não soube proteger os meus filhos os quais, como setas, disparei do meu corpo à procura não só das sete, mas de todas as sortes do mundo. E boa mãe não fui, porque não prendi nem entupi de leite as vossas consciências e paciências. Não fui boa mãe por não vos ter ainda hoje debaixo das asas. Antes pelo contrário, chegados à maioridade dei-vos a todos um valente pontapé no dito cujo e até hoje, porque o mundo é em tudo maior para lá das saias desta mãe que tanto vos quer. Mas boa mãe não fui. (the needs of the child above the needs of the mother?) Hoje, vá-se lá saber, não me largam estes meus filhos: querem saber de mim, perguntam por mim, preocupam-se porque estou velha e eles não, telefonam-me, senão uma vez por semana, às vezes todos os dias, e uma pessoa até quer descansar mas ainda não consegue (ou não quer). Até porque uma mulher não é de ferro, e se eu já lhes ensinei tudo e mais alguma coisa, que mais querem eles de mim?