Morreu alguém
A poesia é que é. Ele é o poeta do que a poesia é.
Não é preciso citá-lo. Dele se pode dizer que conseguiu, com divina dificuldade, dizer tudo o que tinha para dizer, se dizer é tornar ditas as coisas indizíveis das quais qualquer língua nos separa, não sendo a portuguesa a mais separadora.
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Não é preciso citá-lo. Dele se pode dizer que conseguiu, com divina dificuldade, dizer tudo o que tinha para dizer, se dizer é tornar ditas as coisas indizíveis das quais qualquer língua nos separa, não sendo a portuguesa a mais separadora.
Morreu quando disse que morreu. Escrever é uma coisa que se faz bem. Dizer é outra coisa. Não é qualquer um que diz e deixa dito. Contando pelos dedos não é quase ninguém. Contando pelos olhos que lêem e pelo barulho que levam à barriga da alma era só ele.
Tudo o que ele disse ficou dito. Não era maior do que ele: era do mesmo tamanho do que ele. Esta não é a melhor maneira. É a única maneira de dizer: a glória. Que não é só a glória da obra dele mas também a glória que era ele.
A beleza e o poder, a mentira, a invocação, a propaganda da poesia, a abertura da cabeça para o corpo: todas estas magias só eram humanas nele. Para ele apenas faziam parte da prática de viver. Para ele - apetece-me exagerar, como ele exagerará sempre - eram apenas pela poesia.
A poesia é que é. Ele é o poeta do que a poesia é. Mas, acima de tudo, a morte dele - um ser humano que, se não tivesse escrito um só verso, não poderia ser mais amado - é uma tragédia para a família e para os amigos que o amavam.