ISIS e o futuro do Médio Oriente
É preciso um novo enfoque que não passe apenas pela mensagem das bombas.
O aparecimento de um novo Estado, em parte de territórios do Iraque e da Síria (o denominado Estado Islâmico, o ISIS), com capacidade para alargar o seu território para outros países é algo tão novo que subverte totalmente os princípios do direito internacional, na medida em que o Iraque e a Síria têm as fronteiras reconhecidas por toda a comunidade internacional.
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O aparecimento de um novo Estado, em parte de territórios do Iraque e da Síria (o denominado Estado Islâmico, o ISIS), com capacidade para alargar o seu território para outros países é algo tão novo que subverte totalmente os princípios do direito internacional, na medida em que o Iraque e a Síria têm as fronteiras reconhecidas por toda a comunidade internacional.
A realidade emergente, a ser consolidada, significará, na região, que para futuro a integridade territorial dos Estados passa a ser problemática e a partir do território de um Estado podem nascer outros, sem que haja qualquer situação anterior que o justifique. Acresce que a conceção do ISIS, que denomina de califado, de limpar etnicamente todas as outras crenças religiosas, incluindo muçulmanas, é algo que irá transformar de modo imparável a composição dos países na região.
Na verdade, coexistiram ao longo de séculos dentro dos países do Médio Oriente minorias diversas com maiorias muçulmanas no Iraque, no Egito, na Síria, na Líbia e um pouco por todo o lado. No Iraque saído da ocupação militar dos EUA deixou de haver lugar na administração para os sunitas, demonstrando o mais completo erro de análise da situação iraquiana. Na Síria, Assad nunca morreu de amores pelos sunitas, maioritários, dado que, tal como o seu pai, pertence a uma comunidade minoritária, os aluitas.
A guerra civil na Síria, onde os sunitas são o bastião principal, desde logo o ISIS e a Al Nusra, irá levar, caso vençam, à purificação étnica, como se está a verificar. Os cristãos do Iraque e Síria estão a ser perseguidos, expulsos e assassinados, tal como outras minorias, incluindo muçulmanas.
A decapitação de 21 cristãos coptas na Líbia, o ataque num museu em Tunes e os ataques suicidas em Sanaa são o espelho fiel do manto de horrores do ISIS. O ISIS foi gerado pelo terror da guerra. O seu mundo gira em torno da violência.
Estas organizações foram buscar apoios a diversos quadrantes que são chocantes: para derrotar os sunitas no Iraque, George W. Bush aliou-se aos xiitas, entregando-lhes o poder. No Afeganistão, para derrubar o regime laico, armou Ossama Bin Laden e os talibãs. Nestas decisões contaram com todo o apoio da Arábia Saudita e do Paquistão. Aliás, estes dois países estão por detrás do apoio aos jihadistas do Afeganistão e do Iraque, Síria e Líbia.
O armamento que os EUA, a Arábia Saudita, Qatar, Turquia enviaram para combater o regime de Assad caiu nas mãos do ISIS e a Al Nusra, seja por via do poder de compra ou por meio da violência.
A Turquia e os EUA selaram um acordo para fornecer armamento ao chamado Exército Livre Sírio, nos finais de Fevereiro, mesmo depois de tudo o que se está a passar na região e bem sabendo que não há de momento qualquer alternativa a Assad, tanto mais quanto domina 13 das 14 capitais provinciais.
Se a política dos EUA, França, União Europeia e os seus aliados na região é desestruturar Estados, lançá-los em devastadoras guerras civis, levá-los a territórios etnicamente puros a viver com leis e tradições do tempo do califado, não pode haver dúvidas que o caminho é este. Mais ou mais cedo o Egito, a Tunísia, a Jordânia e o Líbano entrarão no ciclo de transformações idênticas.
Dos 19 piratas aéreos que assaltaram os aviões no 11 de Setembro, 15 eram sauditas. Nem um sírio, nem um iraquiano. Os atentados terroristas de França e Dinamarca foram levados a cabo por franceses e dinamarqueses.
É preciso um novo enfoque que não passe apenas pela mensagem das bombas, nem sobretudo por bombardeamentos, mas sim por uma abordagem que resolva problemas que parecem não ter solução por falta de coragem e por comprometimento. As declarações de John Kerry admitindo finalmente que Assad é parte da solução podem vir a ter peso numa saída para a crise na Síria.
Sem a Palestina independente e uma nova cooperação baseada no respeito mútuo e reciprocidade de vantagens e na Europa uma verdadeira integração dos emigrantes, não há resposta ao jihadismo. Haverá mais do mesmo em novas doses de terrorismo.
O Ocidente parece ficar cego quando regimes que lhe não são afetos governam em determinados países. Essa cegueira tem levado os EUA a invadi-los e ocupá-los. O resultado está à vista: são países que passaram a viver sem quaisquer direitos, no mais cruel terror. É, nestas circunstâncias, que medra o terrorismo.
Advogado, co-autor, com Luís Sá, do livro O Fundamentalismo Islâmico, Com Alá ou Com Satã